quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

LÁBIOS





Demoras-te senhora nestas águas
porque é sempre breve
o instante
das pequenas vertigens

Vieste colher os meus lábios
para incendiar uma pedra

Na verdade o teu corpo
tão líquido e incerto
na voragem dos destinos inventados
vibra no ritmo das marés
ilumina-se por dentro
num feixe de faúlhas

habita as fendas rema
por onde espumam as salivas

Demoras-te senhora nestas águas
sentada no meu barco

mas nunca saberás
dos meus lábios uma palavra
sempre que tocar os teus

nem das línguas
o fogo regurgitado
que nos liberta


eufrázio filipe ( Que fizeste das nossas flores )

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

ESPAÇO PARA CANTAR









Nesta aldeia
de mares imperecíveis
e sábios tristes
íntegro um pássaro do alto
entendeu por bem
atiçar o fulgor dos timbres
regressar ao cais
soltar os barcos
e partir
nas cordas vocais
de uma guitarra


Nesta aldeia
refúgio
à flor das águas


ainda há espaço para cantar


eufrázio filipe (Presos a um sopro de vento)

sábado, 16 de janeiro de 2016

UM CORPO DE ASAS







Queria ver uma multidão
uníssona
em cada gesto teu
e vejo


queria que tivesses um oceano
organizado
no azul dos olhos
e vejo


queria que fosses um corpo de asas
mas insistes em chamar às coisas
apenas o nome que elas têm



eufrázio filipe


(publicado no Chão de Claridades)



sábado, 9 de janeiro de 2016

UMA FLOR VERMELHA NAS PAREDES DO CAIS



                                                                                 Cais das colunas - Lisboa






Não sei quem és
mas pelos gestos vieste por bem
rasgar o vento com as mãos
a neve dos meus cabelos
e eu cansado de florestas apócrifas
das palavras em bando
comecei a plantar árvores
vi os pássaros regressarem
em acordes
a luz das noites que não dormem


na partilha de horizontes
o amor é revolucionário
voa nos mastros mais altos
garatuja búzios de sons
intervém por causas
muito para lá das utopias
e se levanta resiste
ao pôr do sol
mesmo que os barcos entristecidos
estilhacem
nos espelhos da água
algumas pedras com vida por dentro


registo por um instante
o ar que nos move
pinto com a boca
uma flor vermelha
nas paredes do cais


eufrázio filipe (2011)

domingo, 3 de janeiro de 2016

MEMÓRIAS QUASE PERFEITAS









Numa lufada de outros mares
e ventos desgrenhados
abri a janela
para recolher pássaros


regressei
à síntese da tua nudez
beijei
no espelho onde viajo
transmigradas
memórias quase perfeitas


regressei
às precárias definições


eufrázio filipe