quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

BARCO ENXUTO DE PALAVRAS






No repouso da paisagem
chove na palma das tuas mãos
mas é o uivo do vento
que prolonga o grito
das fomes divididas
na mesma mesa

simplificando

A transfiguração dos sinais
na liturgia dos silêncios
deflagra em voz alta
paraísos improváveis

no corpo de um barco
enxuto de palavras


eufrázio filipe



quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

OS NOSSOS MILAGRES







Muito antes da casa
aqui passava um rio

nas margens
cohabitavam romãs

simplificando

aqui nas paredes da casa
não passa um rio
não há romãs

mas de tão desejadas existem

repartem-se como pão
bago a bago
nas nossas bocas

e assim aprendemos
com as mãos
os nossos milagres

tão fáceis de explicar


eufrázio filipe


quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

ESTÁTUAS EM MOVIMENTO






Nos palcos vertebrados
as papoilas têm asas
os pássaros respiram
pelas narinas do vento

soltam a voz
para espanto
dos contempladores de estrêlas

se afagam por gestos
estátuas em movimento



eufrázio filipe


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

ATÉ A LUZ SE FAZER DIA






Com barcos às costas
num sopro de vento
de porto em porto
a dobrar esquinas
a desbravar marés
a comer pedras sem destino
construtores de lonjuras
irreprimíveis

para lá das taprobanas
contra torvelinhos
silvestres
a domar escarpas
ao sabor das aves
que de tão abruptas
só poisam nos mastros

Num sopro de vento
andamos a desbravar 
arestas ruínas tempestades
até as águas correntes
se libertarem das crinas
invadirem o chão
para desassossego das sombras

de porto em porto
até a luz se fazer dia



eufrázio filipe

(chão de marés)