domingo, 26 de abril de 2020

NÃO SE AJOELHAM OS BARCOS






No largo da minha rua
lá onde a lonjura
desponta torvelinhos

à flor das águas
resistem maduras
"as vinhas da ira"

agigantam-se a dardejar
memórias ventos relâmpagos

No largo da minha rua
chove na boca das sementes

não se ajoelham os barcos
nem os barqueiros


eufrázio filipe
"Chão de marés"


domingo, 19 de abril de 2020

ABRIL FLORESCE





No gorgeio dos afectos
a despertar timbres
arde a madrugada
na incandescência
dos lábios

tangem cordas de oiro
os nossos dedos
soltam-se faúlhas
que nos alimentam

Abril resiste
nos mastros mais altos
floresce a prumo
neste chão de cravos


eufrázio filipe


segunda-feira, 13 de abril de 2020

SUSSURROS






As águas do rio
da minha aldeia
transportam memórias
sussurros
e amanhãs

têm sempre um caminho
até o mar as receber
num abraço de limos

os pássaros desprendidos
soltarem os barcos

e as pontes se vergarem
para não as magoar


eufrázio filipe

terça-feira, 7 de abril de 2020

NO PESTANEJAR DE UMA VÍRGULA






Olho-te como se fosse a primeira vez

na verdade a água
corpo líquido de mulher
tem segredos escondidos no fundo das pedras
alimentos de fogo
talvez uma praia onde se fundem
areias e lábios 
um piano de luzes
que determina o tempo das estações

ainda bem que tens ilhas selvagens
sinais apócrifos que se desnudam
em gestos simples
no pestanejar de uma vírgula

na verdade a água sabe rir e chorar
no espelho das próprias lágrimas
no rumor das maresias
e eu descobri uma vez mais 
que tens poros por onde respiras
silêncios escarpas por onde escorrem salivas
que te ergues e desmoronas
abrigo e mensageira
te desprendes do chão
ou hibernas nos corais

que bom ainda hoje
partilhar contigo este despertar
aprender vida fora a descobrir-te
como se fosse a primeira vez
e deixar  por um instante
a outra água
para os peixes se moverem


eufrázio filipe

"Chão de claridades"
editora Lua de marfim

sexta-feira, 3 de abril de 2020

AMANHÃ SERÁ OUTRO DIA







O Homem criou deuses para sua salvação mas é no silêncio dos laboratórios 
que os cientistas trabalham para a descoberta de mais uma vacina. 
Ajudá-los é não sair de casa (quem a tem) não sair à rua mesmo que a casa 
tenha vistas para um jardim 
sendo certo que muitos, antes deste vírus, morriam e morrem saudáveis 
em tantos silêncios. 
A vida é uma passagem?
Amanhã será outro dia. 


eufrázio filipe