segunda-feira, 25 de maio de 2020

VIGÍLIA AO IMPROVÁVEL




Quando te despiste em flor
e revelaste a nudez
já despontavam as camélias

não por dádiva dos céus
na vertigem das sombras
muito menos porque o mar
se ergueu
num sussurro de azuis

tão só depurada
trazias gestos musicais
a noção de um rio
que se demora nas margens

Quando te despiste
quase inocente
numa povoação de sílabas
não desnudaste 
o mais íntimo da pele

ficaste em vigília ao improvável
tão perto dos mastros
onde dardejam pássaros
e profanam metáforas



eufrázio filipe

sábado, 16 de maio de 2020

MAREANTES DO VENTO







Crescemos na nudez das rochas
crescemos e desmaiamos
conforme as marés

vertemo-nos líquidos
em caudais de sons
ardidos no sal
no delírio da espuma
por todo o corpo

crescemos na substância das pedras
com asas muito leves

não somos barcos de carregar velas
somos mareantes do vento


"chão de marés"

sexta-feira, 8 de maio de 2020

ÍNGREME O CAMINHO DAS PEDRAS










Estavam no cais
os barcos adormecidos
etéreos
quando partimos
por sobre as águas
sem fim à vista

foi assim

lá onde os olhos sem amparo
se consentem demorados
assistimos à passagem 
de um sopro de vento

Neste leito de sussurros
a primitiva chama
navegava
todos os degraus da escarpa

foi assim

tresmalhadas as pátrias
e os amores
chegámos à fala
de mãos dadas

no íngreme caminho das pedras

eufrázio filipe



sábado, 2 de maio de 2020

ETERNAMAENTE A RESPIRAR






Nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
mas tu cumpriste
o ritmo das estações
contra o tempo que faz

vestiste-te de púrpura
com cheiro a hortelã
sentaste-te no meu silêncio preferido
dedos esguios em flor
a crescerem nas teclas do piano

nem todos os jacarandás
rebentaram em Maio
porque não existem horas para amar

porque é possível pintar
uma flor com a boca
na tua boca
e ficar assim
eternamente a respirar


eufrázio filipe

"Chão de claridades"