sexta-feira, 31 de outubro de 2014

NOS LÁBIOS REPARTIMOS O PÃO







Desbravadas as sombras do cais
construímos um barco
e partimos
em ressonâncias poéticas
quando o mar inteiro
já nos corria as veias

construímos um barco
para rasgar o vento
soltar o pássaro que nos voa
a primitiva chama

ousámos transgredir
por sobre as águas

repartimos o pão
nos nossos lábios



domingo, 26 de outubro de 2014

DESPERTAMOS DE OLHOS FECHADOS







Todos os dias conforme as estações
acordava à hora dos pássaros

escancarava a janela
abria os braços
dava um grito para chamar os cães

descia pedra a pedra
todos os degraus
até ao chão das marés
para hastear uma bandeira 

enchia um jarro de água
sentava-me na mesa do alpendre
e começava a desenhar
palavras improváveis

Ao fundo
muito para lá da romãzeira
fremiam as águas
não sei porquê
mas fremiam

os cães latiam
e as palavras por uma nesga
espreitavam entre os dedos
como se fosse o fim da história
num paraíso inventado

Todos os dias despertamos
de olhos fechados



terça-feira, 21 de outubro de 2014

DESFOLHADA


                                                  publicado no meu Chão de claridades      




Soltei um pássaro
que me pousou no texto
mas não lhe evitei
o menear das pétalas

só mais tarde
tão tarde
que já adormeciam as palavras
ouvi espargir irrepreensíveis
metáforas
na folha de papel

soltei uma rosa
que se exala
quando a sopro para voar

mas sempre regressa

desfolhada



quarta-feira, 15 de outubro de 2014

NÃO SE AJOELHAM OS BARCOS





No largo da minha rua
lá onde a lonjura
desponta torvelinhos

à flor das águas
resistem maduras
"as vinhas da ira"

agigantam-se a dardejar
memórias de ventos e relâmpagos

No largo da minha rua
chove na boca das sementes

não se ajoelham os barcos



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

"UM FÓSFORO NA PALHA"







No limite da luz
debrucei-me para ver
uma flor
soltar pétalas

mover-se
numa lufada de vento
onde se derrama
sem muros nem amos

uma flor de fragâncias
que se atiça
em pleno vôo
nesta pátria desnavegada

Debrucei-me para ver
da minha escarpa
o fulgor da vertigem
"um fósforo na palha"



sábado, 4 de outubro de 2014

PRESOS A UM SOPRO DE VENTO



                                             a publicar em breve na Poética editora


Na véspera dos relâmpagos
os pássaros são eternos
conforme os apeadeiros

renascem ao som da folhagem
oferecem o corpo inteiro
e o desejo
pestanejam vírgulas
lábios remos e passos
numa cadência de asas

Na véspera dos relâmpagos
o mar organiza outros azuis
utopias em movimento
amplas claridades

sem âncoras nem limites
como nós
presos a um sopro de vento