sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

NA FOLHAGEM DAS OLIVEIRAS



                                              "Mulher pássaro" óleo de GRAÇA MORAIS




Há tantos anos
que te não via os olhos
de tão perto os conhecer

Foi preciso um pássaro
ajudar-me a fazer lume

rasgar janelas
na direcção do vento

e com um fósforo
atear fogueiras
só para os ver

Lá estavam
na folhagem das oliveiras



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

GRÃOS DE AREIA







Ao fundo
neste Inverno dissonante
cães de lume incendeiam
sopros de vento
nos recortes da serra

rasgam-se em sombras
ladram silêncios
às flores silvestres

mas tu resistes

continuas a lavrar grãos de areia

e a chuva cai desgrenhada
nos teus cabelos
surpreende-me em pleno voo
a ouvir-te cantar

Não digas nada que seja
apenas o que os olhos vêem

fala-me por gestos


sábado, 14 de janeiro de 2012

AINDA HOJE TE CHAMO ESCARPA






Inesperada uma lágrima
na rebentação das águas
fez-me andar eternidades
silêncios de carne e osso
à pergunta dos teus relâmpagos

Inverosímil lá estavas
íntegra
a dedilhar uma pedra
nos passos da areia

num afago de mãos
a colher o perfume silvestre
das maresias

Tinhas um Cristo
cruxificado nos olhos
e eu não sabia
se te chamavas pedra
barco flor ou pássaro

Ainda hoje te chamo escarpa





domingo, 8 de janeiro de 2012

RESISTIMOS AO INVERNO






Festejámos a memória da neve
hasteámos um beijo
no mastro mais alto da vida
para os barcos se fazerem ao mar

atiçámos relâmpagos
no fulgor dos passos
ecos de búzios em campânula
num abraço de limos

Resistimos ao Inverno

impedimos o suicídio
de um pássaro
por um grão de areia





domingo, 1 de janeiro de 2012

UMA NESGA DE MAR



                                                                          Magritte


Andam por aí
a construir barragens
contra as águas dos rios

mas no cais da minha aldeia

uma nesga de mar

por entre mastros ancorados
desenhou um pássaro
para voar