quarta-feira, 26 de novembro de 2008

DÉDALO DE BRUMAS

óleo de OLBINSKI

Só queríamos um espaço

rasgado

onde fosse possível voar

sem olhar os pássaros


um silêncio de pavio

a preto e branco

um qualquer infinito

onde cruzássemos outros timbres

e fossemos a última folha

do outono

em pleno voo


Só queríamos afagar a nudez

em todos os póros

e foi tão pouco

que ainda hoje te procuro

neste dédalo de brumas

precisamente

no lado incerto do espelho

onde me dispo

domingo, 23 de novembro de 2008

O CEGO DAS ESQUINAS




- Digo-te a bruma coada na cidade, para extase do porvir.Incito-te ao levantamento do chão onde adormecem lábios e pedras em murmúrios e salivas - só para te ver transgredir as pautas.

- Eu digo-te uma luz ao fundo, protegida por sombras e sons, numa campanula de pedras em arco.

- Repara no cego.

- Repara no cão.

- Quando chega a casa - imagino um cubículo de madeira - o cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas, retira-as para o tampo da mesa e conta o abandono a que o votaram em cada moeda coitadinha.

- É o cego das esquinas. O tempo de rastos.

- Quem anda a montar o tempo?

- São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos.

- São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas.


quinta-feira, 20 de novembro de 2008

RISCO AZUL




TRAÇO NA ÁGUA

UM RISCO AZUL


SOLTO-LHE AS VELAS

DO SILÊNCIO


ASSIM RASGO UMA PEDRA

COM VIDA POR DENTRO


sábado, 15 de novembro de 2008

O APEADEIRO DA BEMPOSTA



- Vamo-nos perder. É uma necessidade respirar outros silêncios para nos encontrarmos.
- Vamos descobrir-nos.

Assim partimos - em viagem, com todo o tempo - por vales, rios e montes - mapas rasgados a despertar azinhagas e amoras silvestres.

- Um dia farei das minhas pedras preferidas - pássaros azuis.

- Pois.

Foi assim que tropeçámos numa aldeia - casas dispersas, outras geminadas, um café, uma taberna, uma mercearia, uma capela, um pelourinho e um apeadeiro de caminho de ferro. Uma aldeia linda, afagada por canaviais, chorões e o cantarolar de um riacho onde corriam águas cristalinas.

Dirigimo-nos ao "Café Moderno" que exibia um jogo de matraquilhos, seis mesas, uma máquina de tirar tabaco e um rádio antigo em voz alta.

- Como se chama a vossa aldeia?

- Bemposta. Diz a lenda que uma senhora real, muito bem vestida e triste, visitava aqui um aldeão. Vinha de charrete e depois partia, nua e sorridente. O Alexandre é que sabe explicar estas coisas. Deve estar no apeadeiro.

Fomos ao apeadeiro e encontrámos o Alexandre - um velho que se recusava a ser velho, sentado num banco, em frente à linha dos comboios.

- Velho não - idoso com muita experiência.

Um dia quiz ser músico, precisava de dinheiro e parti. A minha vida foi sempre partir e chegar.

Emigrei para uma grande quinta, sem contrato, perto de Marselha. Uma vez por ano trabalhei na apanha da maçã.

Três armazens albergavam o pessoal- portugueses, espanhois e polacos .

Os que chegavam primeiro, apanhavam camas, os outros dormiam no chão. Quase sempre chovia nos armazens. No primeiro ano rasgou-se o meu impermeável. Não foi fácil resistir, mas resisti.

Cada um tinha um "rego" com cinco quilómetros de macieiras.

Colocávamos o cesto de verga, com alsas, amarrado à cintura - subiamos e desciamos o escadote, até apanharmos 350kg por dia. Quem mais apanhava mais ganhava.

- Mas quem mandava em si?

- Eram as maçãs. Enquanto houvesse uma maçã na árvore, quem mandava era a maçã. Ouvi dizer que a liberdade não cai do céu, conquista-se no chão que pisamos, mas no meu caso, só de escadote, em cima das macieiras.

À noite cada um fazia o seu jantar e o almoço para o dia seguinte. Estoirados dormiamos à pressa.

Só tinhamos o domingo para ir no atrelado do patrão, abastecer-nos para toda a semana e divertir-nos à chegada no armazem dos polacos.

Os tipos estacionavam um volkswagen a cair de podre junto do armazem e ligavam o rádio. Uns dançavam com as mulheres que por ali andavam, outros por falta de mulheres embebedavam-se e jogavam às cartas.

- E no dia seguinte?

- No dia seguinte as maçãs geladas entravam-nos pelas mãos até aos ossos.

Um polaco que se dizia iluminado por Deus gritava todas as manhãs - " estou no topo do mundo" . Um dia caíu do escadote, partiu os dentes e deixou a religião.

Nunca consegui dinheiro suficiente para ser músico, mas fiquei para sempre com uma mulher no coração. Todos os anos nos encontrávamos e o patrão colocáva-nos sempre nos "regos" ao lado um do outro.

Nos últimos anos só partia a pensar nela - uma santa mulher, mais linda que a Bemposta. Parecia um pássaro azul.

- Pois.

Talvez por isso aqui venha todos os dias, dar corda ao relógio do apeadeiro, que ainda funciona.

A vida continua - só o comboio é que já não passa por aqui.

- Posso fazer-vos uma pergunta?

Que fazem os senhores na vida?

- Valha-nos o tempo das estações.

Andamos perdidos, senhor Alexandre.


segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O DESASSOSSEGO DAS MARÉS

Despedida

Emergimos das águas fundas

até a luz quase perfeita

chover nas nossas línguas

soltamos o corpo

inventamos espaços para voar

mordemos os lábios

em pleno voo

para libertar a sombra dos pássaros

e num toque fugidío

que ainda hoje espuma

caímos dos céus

com a chuva

Na verdade

hoje não queremos

salvar o mundo

apenas celebrar o desassossego

das marés

sábado, 8 de novembro de 2008

PAPIRO EDITORA - O INSÓLITO

Dra Vera ( bibliotecária) - Eufrázio Filipe - Alfredo Monteiro (Presidente da Camara)
O insólito aconteceu.
A PAPIRO EDITORA, no momento do lançamento do meu livro de poesia "Que fizeste das nossas flores"
anunciou que por acidente os livros tinham ficado na estrada.
Obviamente ninguem aplaudiu a PAPIRO EDITORA.
Apesar do insólito - agradeço a presença dos muitos amigos, ao presidente da Camara Municipal do Seixal à bibliotecária responsável pelo forum cultural,e ao professor Luiz Garcez que nos brindou na guitarra clássica. Também ao Alexandre do Fundamentalidades pelas fotos que me enviou.
Aguardo que brevemente a PAPIRO EDITORA torne disponível o meu livro .

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

domingo, 2 de novembro de 2008

O TEMPO DAS CEREJAS

José Mário Silva - autor do blogue "Bibliotecário de Babel" vai concorrer ao " Best of Blogs " concurso internacional que destingue os " melhores" do ano.
A votação acontece em http://www.thebobs.com/
Se de mim dependesse otempodascerejas.blogspot.com - do Victor Dias seria o meu eleito - sem pestanejar.