quinta-feira, 30 de março de 2017

À PERGUNTA DE OUTROS MARES




Quando foi urgente criar um deus
as uvas ainda não estavam maduras
no corpo das videiras

inocente subiste ao púlpito
das vinhas decepadas

improvisaste um sermão
ergueste o cálice
e a companha exausta aprendeu
que nada é perfeitamente inútil

após as vindimas
bebemos do mesmo vinho

foi quando enfunaste as velas
começaste a despontar relâmpagos
nos mastros mais altos

 afloraste o chão com um beijo
partiste sem destino
por sobre as águas revoltas

à pergunta de outros mares


Eufrázio Filipe
"Chão de Claridades" editora Lua de Marfim

sexta-feira, 24 de março de 2017

SEM CONTORNOS NEM ARESTAS





Nas paredes da casa
onde me deito
nos teus retratos
brotam pedras
em carne viva
sem contornos nem arestas
que se transformam em pão

por elas me ergo
contra todos os destinos
mesmo que ininteligíveis
chovam em flor os teus olhos

Nas paredes da casa
tudo é possível
menos a profanação das metáforas

Eufrázio Filipe

sábado, 18 de março de 2017

PELA VIDA FORA






Estava em desassossego
a despertar o timbre
de outros mares
quando lançaste uma flor para o palco

uma flor vermelha
de lábios doces
que recolhi pétala a pétala

Nunca soube quem és
muito menos do teu jardim

mas sei que me acordaste
pela vida fora


Eufrázio Filipe
"chão de claridades" editora Lua de Marfim

segunda-feira, 13 de março de 2017

A ESSÊNCIA DA LUZ






A noite não dorme
porque se ama
e deseja

inesgotável
desponta vertebrada
move tempestades

às mãos cheias
dá de beber às fontes
a essência da luz

e tantas são as noites
que não dormem
contadas pelos dedos

a desbravar caminhos
conhecidos

Eufrázio Filipe

quarta-feira, 8 de março de 2017

LÁGRIMAS CONTIDAS





Nos dias que se repetem desiguais
derrama-se a água
a chuva cai

fluem lágrimas contidas
no declive dos teus olhos

Eufrázio Filipe

quinta-feira, 2 de março de 2017

CHÃO DE MARÉS





Correm em bando
os teus olhos por cima das searas
descansam no beiral
onde nidificam sonhos
procuram outras moradas
nos mesmos sítios da água corrente

porque nos surpreendemos?

admito a influência dos barcos
nas prateleiras da casa
um forte desejo das pedras
medrarem nas paredes
o reflexo inocente
de relâmpagos azuis
nas infatigáveis metáforas

admito que é preciso transgredir
rasgar o véu de todos os fascínios
para que as papoilas
continuem a crescer por instinto
na palma das nossas mãos

neste chão de marés

eufrázio Filipe