Regressámos ao sítio onde crescem silvestres buganvílias
foi aí em recato que rasguei o que julgava ser um poema
lá no cimo da Arrábida em visita guiada aos azuis do Sado no mais íntimo dos silêncios observei a anatomia dos teus gestos quando te revelaste quase ninfa a invadir impossíveis ao alcance dos dedos
ali ficámos eternos a pintar sombras que se alumiam
Muitos foram os amigos que me brindaram com a sua presença na apresentação pública do meu Chão de Claridades. A todos estou grato - aos presentes e aos que se manifestaram de outro modo.
Transcrevo uma passagem da minha intervenção no encontro ... e foi assim ... um dia escrevi - o amor é revolucionário e uma senhora que esculpi nas areias da praia, logo se levantou para me dizer O amor é revolucionário? Interessante. Importa-se de me explicar mais claramente a sua ideia? - e eu respondi que sim Meu amor, nesta ilha rodeada de sonhos, se tivéssemos um barco, ai se tivéssemos um barco, como seria inútil este mar - lutaremos como somos e onde estamos. A senhora de pé nas areias adiantou que as realidades quando ficcionadas, por vezes são mais verdadeiras - e ainda acrescentou - gostei de o ouvir, só é pena ser comunista. Olhei-a nos olhos e respondi que não queria salvar o mundo, só ajudar. A poesia é um prazer para quem escreve, um desafio para quem lê. Tudo se move, até o vento. Por vezes um poema vale por um verso e um verso uma eternidade. A senhora, ainda de pé disse não ter entendido mas que as palavras eram lindas. ... e foi assim... neste Chão de Claridades, por mares nunca antes desgrenhados que subimos à nossa escarpa preferida para colocar um beijo no mastro mais alto da vida. Foi preciso mexer na memória das areias, celebrar relâmpagos, sol, pássaros, e algumas pedras com coração por dentro para lhe dizer ao ouvido que os poemas mais bem conseguidos, ainda não foram escritos ... mas vou tentar senhora. A noite carregava a sua própria sombra mas nós carregávamos uma noite que não era a nossa quando uma luz de sol despontou nas paredes do cais para ergueres as pálpebras e veres claramente espalhadas no chão dos barcos o que pareciam ser as últimas flores do Inverno
Tu sabias que estavam a medrar novas marés quando subiste à gávea dos barcos ancorados para confirmar o rosto branco da madrugada
Tu sabias que alguém andava a lavrar desertos para nascer uma flor mais vermelha que os teus lábios
Hoje vi com os meus olhos uma santa mulher asfixiar um pássaro nas mãos só para desenhar no chão a dor que sentimos
chamei-a para deixar nas areias um beijo côncavo e permanecer até a memória arder os últimos barcos as algas discernirem de olhos abertos todos os ritmos das marés
chamei-a para esgrimir contra a invenção dos destinos erguer o seu corpo de grânulos e recolher todos os beijos disponíveis
chamei-a para acordar o sono deste chão libertar os pássaros