No chão dos marnotos caminhamos azinhagas,comemos amoras,tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso - até as metáforas se ajoelharem, como pequenos deuses inúteis à nossa mesa. Só depois provamos o sal das marinhas. A safra. O tempo dos homens que chafurdam no moliço. A distância que nos atrai e separa, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes, a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final. Após a "bobadela" a marinha começa a parir uma massa branca, que envaidece os homens quando se olham nas sombras curvas projectadas na água. O sol aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas - aí fica a escorrer as últimas lágrimas. Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços-Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco. Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reúnem-se ao cair da noite, para festejar. Enquanto se embebedam, cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar.
São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas.
A noite estava tão fria desencantada anoitecida nos ramos das árvores
e os cães uivavam para as estrêlas
Íntegros por sobre as pedras no caminho das águas traçávamos linhas a carvão em folhas de papel ousávamos transgredir à tona dos lábios o fulgor alumiado dos cristais
Estava tão frio mas nas ruas despontavam coros centelhas de cravos pavios na boca das sementes para alimento dos pássaros
Com os barcos às costas num sopro de vento de porto em porto a dobrar esquinas a desbravar mares a comer pedras sem destino construtores de lonjuras irreprimíveis
para lá das trapobanas contra torvelinhos silvestres a domar escarpas ao sabor das aves que de tão abruptas só poisam nos mastros
Num sopro de vento andamos por aí a desbravar arestas ruínas tempestades até as águas correntes se libertarem das crinas invadirem o chão para desassossego das sombras