Quando foi urgente criar um deus as uvas ainda não estavam maduras no corpo das videiras inocente subiste ao púlpito das vinhas decepadas improvisaste um sermão ergueste o cálice e a companha exausta aprendeu que nada é perfeitamente inútil após as vindimas bebemos do mesmo vinho foi quando enfunaste as velas começaste a despontar relâmpagos nos mastros mais altos afloraste o chão com um beijo partiste sem destino por sobre as águas revoltas à pergunta de outros mares
Eufrázio Filipe "Chão de Claridades" editora Lua de Marfim
Nas paredes da casa onde me deito nos teus retratos brotam pedras em carne viva sem contornos nem arestas que se transformam em pão por elas me ergo contra todos os destinos mesmo que ininteligíveis chovam em flor os teus olhos Nas paredes da casa tudo é possível menos a profanação das metáforas Eufrázio Filipe
Estava em desassossego a despertar o timbre de outros mares quando lançaste uma flor para o palco uma flor vermelha de lábios doces que recolhi pétala a pétala Nunca soube quem és muito menos do teu jardim mas sei que me acordaste pela vida fora Eufrázio Filipe "chão de claridades" editora Lua de Marfim
A noite não dorme porque se ama e deseja inesgotável desponta vertebrada move tempestades às mãos cheias dá de beber às fontes a essência da luz e tantas são as noites que não dormem contadas pelos dedos a desbravar caminhos conhecidos Eufrázio Filipe
Correm em bando os teus olhos por cima das searas descansam no beiral onde nidificam sonhos procuram outras moradas nos mesmos sítios da água corrente porque nos surpreendemos? admito a influência dos barcos nas prateleiras da casa um forte desejo das pedras medrarem nas paredes o reflexo inocente de relâmpagos azuis nas infatigáveis metáforas admito que é preciso transgredir rasgar o véu de todos os fascínios para que as papoilas continuem a crescer por instinto na palma das nossas mãos neste chão de marés eufrázio Filipe