Linda plumagem quase hulha olhos de mel graciosa no salto à noite uma centelha no poleiro inverosímil aos arrufos íntegra a cacarejar depositava o mais branco ovo na palha
Aparente mente feliz morreu hoje a minha galinha preta e eu só podia fazer o que fiz
Já tínhamos morrido quase tudo mas ainda a desnascer surpreendemos no espelho das águas um gesto pássaros a céu aberto infinitos aqui tão perto que nem lhes podemos tocar
Desta finisterra efémeros partem barcos antigos que deixam rastos de romãs a despontar na varanda do cais
Na ausência de relâmpagos decepadas as videiras tentas inscrever à semelhança das marés um traço azul nas paredes do cais nas intactas noites de lua cheia onde florescem vivos os contornos da memória a desbravar arestas
Na bela escarpa à mesa do alpendre quase tudo se vê de olhos fechados
o dorso da serra onde nidificam sonhos um jardim de videiras cães a ladrarem quando a neblina invade o castelo sombras amovíveis de pássaros oliveiras o perfume silvestre das hortelãs o pó da azinhaga um certo vento disponível para os lábios uma nesga de mar a cantarolar silvos de barcos
Neste deserto flamejante povoado nos apeadeiros esculpido em grãos de areia as palavras amadas tentam implodir para acordar silêncios com vida por dentro
Na bela escarpa contra todos os destinos a lavrar pedras com as mãos em declive por sobre as águas voeja na mesa do alpendre uma folha de papel
coloquei o teu travesseiro no meu travesseiro liguei o rádio fumei um cigarro abri a porta do relógio de pêndulo para dar corda ao tempo e ver-te passar
soprei os ponteiros e voaste tão longe que só um dia te encontrei na areia da praia a olhar um barco que nunca existiu a não ser quando um pássaro distraído em confluência de rotas transportou o vento nas asas e pousou em silêncio no teu olhar
lembras-te? lembro
na rebentação das marés onde se enleiam sargaços começámos a soletrar pelos dedos palavras excessivas belas imensas