No chão dos marnotos caminhamos azinhagas, comemos amoras, tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso até as metáforas se ajoelharem como pequenos deuses inúteis, à nossa mesa.
Só depois provamos o sal das marinhas. A safra. O tempo dos homens que chafurdam no moliço. A distância que nos separa e atrai, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final.
Após a "bobadela" a marinha começa a parir uma massa branca, que envaidece os homens quando se olham nas sombras curvas projectadas nas águas.
O sal aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas e aí fica a escorrer lágrimas .
Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco.
Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reúnem-se ao cair da noite, para festejar.
Enquanto se embebedam , cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar. São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas.
Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.
- o cão ou o velho?
Lentos , trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.
O cão - mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego. Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna, abrupta sobre as águas, as aves marinhas mergulhavam a pique , esbracejavam só para os salpicar. Lá iam, serenos, livres, sem palavras - imensos. No ar, o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de maresias. Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos. Sentados - respiravam infinitos - o perfume das algas - adormeciam no tempo.
Ao longe, muito ao longe, alguém de um barco bramou : - fuja, a duna vai desmoronar-se.
Imperturbável, respondeu baixinho para não acordar o cão :