Hoje vi com os meus olhos uma santa mulher asfixiar um pássaro nas mãos só para desenhar no chão a dor que sentimos Chamei-a para deixar nas areias um beijo côncavo e permanecer até a memória arder os últimos barcos as algas discernirem de olhos abertos todos os ritmos das marés Chamei-a para esgrimir contra a invenção dos destinos erguer o seu corpo de grânulos e recolher todos os beijos disponíveis Chamei-a para acordar o sono deste chão libertar os pássaros Vi uma mulher amada esculpida na praia em pleno voo que ainda hoje traz nos lábios a minha flor de Abril eufrázio filipe
Não são únicos os caminhos mesmo quando se cumpre a rota dos sonhos e os barcos se despem de destinos por sobre as águas Já tínhamos visto longe a céu aberto palavras íntegras a respirar por guelras pétalas a despontar nos desertos mares a gorgear na folhagem das escarpas noites claras ao som do relógio de pêndulo Não são únicos os caminhos mesmo quando andamos a sibilar no vento desapercebidos do pássaro que renasce em pleno voo por um grão de areia eufrázio filipe
Na ausência de palavras desenhei uma flor encarnada neste chão de marés soltei-lhe as pétalas cadenciadas silvestres musicais agarrei o vento pelas crinas esculpi um grão de areia para a vida despontar num sopro de vento e a luz se libertar pelas fissuras da pedra convoquei pássaros resgatei memórias e outros silêncios escrevi de novo verdades improváveis inesperadamente hoje não quis salvar o mundo eufrázio filipe (Chão de claridades)