Uma saraivada de granizo caía abrupto nas nossas vidas, queimava-nos a alma até aos ossos. Nunca mais chovia água de beber.
Lânguidos os rios mal desaguavam de tanto frio e solidão. O mar vadiava nas frinchas das falésias e os barcos ancorados, aguardavam nos mastros outros ventos.
Foi então que os galos cantaram. Mais cedo. Inutilmente pois ninguém dormia.
Havia uma certa efervescência no ar. Um respirar ofegante.
Nas ruas - as esquinas dos prédios voaram - para os cegos abrirem os olhos. Nas árvores - o Inverno colaborava. Nem uma folha para esconder o arrepio dos pássaros. Nem um piar. Nem um sussurro no mar.
Inesperadamente uma criança atravessou a rua.
Aquartelados os lobos uivaram. Alguém disparou.
Os galos cantaram de novo. Inutilmente pois ninguém dormia. No ar - farrapos de uma certa neblina. Nas ruas - as esquinas dos prédios permaneciam despovoadas de cegos. Os rios despertavam e o mar dava um sinal de chamada.
O vento amainou para um afago de velas e os barcos partiram para a faina.
O Inverno - por cima dos escombros - convocou-nos para um concerto ao ar livre. As folhas rebentaram nas árvores.
Uma criança, renascida das cinzas, desafiou o uivo dos lobos - começou a cantar com os pássaros.
28 comentários:
E ainda a havemos de a olhar, qual Fénix, a voar com os pássaros, por cima dos lobos e dos uivos.
Muito bom, como sempre.
Abraço
Eufrásio,
Fantástico poema!
e termina com um halo de esperança :)
boa semana
um abraço
mariam
uma crianç enlaçada com a natureza
Quase um poema para rezar... Quem ainda tiver fé.
Um abraço.
O canto depois do incêndio. Um belíssimo texto a afirmar a vida para além da demência.
Um abraço.
Se pudesse ser sempre assim...
o JRD disse: Como sempre muito Bom!
abraço. Amigo!
nostalgicamente belo...
abraço
um desafio poético elevado ao expoente máximo
.
um beijo
ai os lobos. nas asas dos pássaros.
beijo para ti e cãezinhos.
A esperança na figura de uma criança...
Beijos
Lânguidos os rios mal desaguavam de tanto frio e solidão.
...uma criança renascida das cinzas.
Roubo este pedacinho maravilhoso.
Um abraço com carinho e uma boa semana.
Bjs
Poema tristamente belo,
acabando com uma renascença,
tal o fenix que renasce das suas cinzas..
Beijos
Fico-me, ainda, pela inutilidade do canto dos galos...embora tu, poeta, num passo mais à frente, me acenes em palavras elegantes um gesto de esperança!
obrigada!|!!!!!!!!!!!
. beijo.
Ai, tanto nos queima a alma até aos ossos, não é?
Que nos valham os/as Amigos/as!
Abraço-te, Companheiro.
E que rapidamente se cumpra.
... o Inverno pode ser (é) uma estação assustadora para muitos. Para os mais desprotegidos da sorte ( conveniente de invocar mesmo sabendo que a roleta do jogo social está legal e democráticamente viciada, caso contrário, o azar não bateria sempre à porta dos mesmos... ) que estão na expectativa que o telhado não lhes caia na cabeça, que o banco alimentar não entre em colapso financeiro ou que o tempo das estações mais quentes chegue rapidamente para que possam afinar as gargantas e acompanhar a voz da criança cantando com os pássaros e desafiando os lobos todos deste mundo.
por vezes uma sílada e a metáfora se faz lume...
por vezes o (in)esperado faz desaguar avenidas.
de gente. viva...
abraço, Poeta.
O amanhã sob cada lágrima.
Belo
Bj.
e
em uníssono
foram vida
e verdade
...
saudades de teu canto.
..
bom ano!
@-,-'-
o outono desfazia os nós.
estava frio
e
um lençol de silêncio respondia pelo mundo.
até os barcos suspiravam um ardil de mar
e a criança com olhos de pássaro
atravessava lentamente uma primavera ao colo.
_______
o mar
aqui
aquietou-se
.
um beijo
Enquanto houver uma criança
capaz de desafiar os lobos
com a voz de uma canção,
há esperança!
Obrigada pela visita que me trouxe até aqui! :)
Beijo
Este seu texto poético transporta-me para o imaginário real
Tempestade em qualquer lugar
no coração, na terra no mar
Tempestade que alastra
sem parar!!!???
Os Homens e a Natureza
unidos para bem da continuídade de espécie...
Que concerto lindo!!!
O tão necessário
O da Esperança!
princesa
"O Inverno - por cima dos escombros - convocou-nos para um concerto ao ar livre. As folhas rebentaram nas �rvores."
porque o poeta grita a renova�o a vida explode.
um hino!
um prazer ler o que escreve,
abra�o da Mel
senti o hálito da primavera...
um abraço
luísa
E, o velho se fez novo!
depois da tempestade vem sempre a bonança. Palavras já ditas, sei, mas a vida são ciclos...ascendestes.
Ascendente o teu último parágrafo. De esperança.
Gostei muito.
um beijo
Ainda há pouco uma amiga minha dizia que adorava comer neve... franzi o sobrolho: comer neve? Sim, dizia ela que isso vinha do tempo em que faltavam outras coisas mais nutritivas que a neve e então a caminho da escola ela e as colegas enchiam o vazio da neve fresca que caíra de noite... abominavam o Verão... e com razão... tempos que o tempo pode fazer voltar...
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