quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A NOSSA ROMÃ ( 1 )







Nesta ilha de náufragos e jangadas imperfeitas as romãs abriam os lábios explodiam multidões. Os cães adivinhavam o brilho dos relâmpagos e tu caías abrupta nos meus braços.
Quando te ouvi assim a cair dos céus, desamparada a lubrificar a terra, não sabia o teu nome, muito menos como te beijar os pés.
Quando te vi assim pendente, incolor, nua de tudo, chamei-te um nome qualquer e tu chegaste a cântaros, tão líquida por entre os dedos.
Recebi-te quase ninfa, de braços abertos na minha escarpa e assim ficámos vagarosos instantes a respirar eternidades.
Ainda hoje não sei quem és senhora.
Trazias nos cabelos um mar desgrenhado a derramar estrelas em cânticos sibilinos, barcos do outro lado do cais.
Fiquei sem saber se existias de facto ou teria sido eu a inventar-te.
Escancarei as janelas, acendi um fósforo no alpendre da casa, e tu lá estavas a cair dos céus, sem muros nem ameias, a cantar.
Visitavas museus, sombras de luz mas não  eras simpatizante da luta de classes. Tinhas um Cristo crucificado nos olhos, uma vontade serena de liberdade, uma biblioteca onde se destacam textos apócrifos mas também vivificam Jorge Amado, Soeiro Pereira Gomes.
Se tivesse que te desenhar faria um gesto, um risco a carvão no ar que respiramos, bebia-te às mãos cheias e partia até ao fim do voo inventado, mas deixaria na tua árvore preferida uma romã.


 

37 comentários:

A. disse...

Até as romãs que não andam à chuva, podem molhar-se!...



Abraço

jrd disse...

Bela e liquida a prosa que se bebe como se de poesia se tratasse.
Abraço

Rogério G.V. Pereira disse...

Tenho que fazer alguma coisa com "isto", de forma a que leia repetidamente o que escreveste

É belo demais para que fique ausente...

Arco-Íris de Frida disse...

Nossa!!! lindo lindo lindo... fui lendo rapido para ver como terminava e ao terminar quis voltar a ler... maravilhoso poema...

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

belo...acho que o melhor do melhor do que já li teu .

:)

Um Jeito Manso disse...

Não sei se é da chuva que fala, se é das romãs que se desfazem em sangue, se são apenas palavras que ficam a escorrer dentro de nós.

Muito bonito.

Anabela Couto Brasinha disse...

Belas as palavras!
Continuação de bons escritos.
Sorriso

trepadeira disse...

Uma "romã" linda e esclarecida.

Abraço,

mário

Aníbal Duarte Raposo disse...

Linda esta prosa poética.

Um abraço

Rita Freitas disse...

Intensamente belo :)

BL disse...

Muito muito belo! Obrigada

Bom fim de semana

Suzete Brainer disse...

Um daqueles raros poemas

que nos captura e paralisa

em minutos eternizados

de magnitude poética...

Maria João Brito de Sousa disse...

Gostei muitíssimo!

Quereria ser menos banal neste comentário, mas... gostei demasiado para poder fazer uma análise objectiva.


Abraço!

Sónia M. disse...

"vagarosos instantes a respirar eternidades." assim fiquei, ao lê-lo...

Beijo

marlene edir severino disse...

Extasiada...
"a respirar eternidades."

Belíssimo!

Beijo carinhoso, poeta!

Malu Machado disse...

Intensa e apaixonante sua poesia.

vida entre margens disse...

Água purificadora que abençôa a vida e a poesia. Um texto mágico, de tanta beleza que encerra.

Deixo-lhe o meu abraço!

Janita disse...

Texto poético para o qual não existem palavras que possam comentar, tal a sua dimensão!
Li, reli e refecti. A única coisa que me ocorre dizer é que o fruto escolhido para deixar na árvore preferida dessa Musa, sublima tudo o que foi escrito, já que a romã simboliza a paixão e a fecundidade...
Muito, muito belo!

Um abraço!

Lídia Borges disse...


Nada, aqui, me obriga à significação.
Este é de comer, alimento dos "esfomeados de sonho" como diria Natália Correia.


Um beijo

Mar Arável disse...

Estimada Lídia
grato pela memória da nossa Natália
com quem partilhei longas viagens

Bjs

GL disse...

A água que fecunda, a chuva que tudo lava(?), o sonho que alimenta, a prosa feita poesia.

Abraço.

GL disse...

Volto para "reclamar" :)

E que para ficar tua seguidora temos que descer ao rés-do-chão.

Beijinho.

Manuel Veiga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mar Arável disse...

Estimada GL
Não entendi a mensagem
Aqui na escarpa escrevo à mão
quase nada sei de máquinas
fusível é alta tecnologia

Bjs tantos

GL disse...

Muito bem!
Passo a explicar.

Há bastante tempo que queria ficar Seguidora do MAR ARÁVEL, mas onde estavam os Seguidores?

Hoje decidi pesquisar melhor e?...
E, eis senão quando, encontro os ditos mesmo no final da página, ou seja no "rés-do-chão".
Resumindo. Após estas diligências, vou, finalmente, ficar por aqui!

Beijinho.

P.S. O MAR ARÁVEL já está na minha lista de blogues que estou a seguir.

Manuel Veiga disse...

há fomes assim: que que se incendeiam no rosto líquido de um nome qualquer.

como bagos de romã - colhidos bago a bago...

Abraço, Poeta maior

Maria Emilia Moreira disse...

Belíssimo texto para receber a chuva de braços abertos!Ah! E a romã que se abre e se mostra cheia...linda...sumarenta!
Um abraço.
M. Emília

lis disse...

Fico com o comentário da Lídia _ o poeta é esse uivo esse instantâneo de coisas 'uma imprudência a mesa posta'... estou a degustar...
parabéns

Pérola disse...

Inquietações, dúvidas...é a vida resumida numa romã.
Lindo!

beijinhos

Olinda Melo disse...


Uma infrutescência que nos lava a alma.

Abraço

Olinda

manuela baptista disse...

eu gosto dos barcos do outro lado do cais

e dos novembro-romã

um abraço

Ailime disse...

Fabuloso poema repleto de belíssimas metáforas que me prenderam aqui por alguns instantes. Bj Ailime

Laura Santos disse...

A romã é dos mais belos frutos que que existe, tal como o seu texto a transbordar uma poesia que apetece comer.
Soube-me tão bem!
xx

ana disse...

Mar Arável,
A Romã é uma fruta muito estético. Eternizou-a.
Beijinho. :))

Silenciosamente ouvindo... disse...

Eu também gosto muito dos
Novembro Mágicos e de Romãs.
E do que escreve.
Bj.
Irene Alves

Justine disse...

Pode ser o fruto do paraíso, a romã. É aquele que o poeta quiser.

anamar disse...

Magistal este e os outros textos..

Abraço enorme...
:)