terça-feira, 5 de novembro de 2013

A NOSSA ROMÃ ( 2 )






A desoras ouvia Quiet Nights quando um barco de papel escrito à mão aconteceu para acordar os pássaros.
Com Dianna Krall ousei invadir espaços proibidos nesta ilha escarpada. A chuva caía na boca dos amantes.
Foi assim. Não previ o tempo livre nos ponteiros parados do relógio e saí.
Chovia a cântaros. O caminho em terra lavrada não tinha poros suficientes. Faltavam os belos relâmpagos mas o vento assobiava coisas lindas.
Foi assim encantado que atravessei o dilúvio contra a corrente.
Na verdade - mais importante que as pontes são os rios indomáveis.
Só não previ a berma do aceiro numa curva submersa e ali fiquei, no fim do mundo, à porta da casa.
Abri a janela do carro e observei um rio colossal a correr à pergunta de uma saída para o mar.
Ali fiquei encantado uma vida quase inteira, até entrar no café do senhor Abílio, onde todos falavam da tempestade e das colheitas dizimadas.
A chuva parou. Fez-se silêncio.
Um homem a esbracejar subiu para o tampo de uma mesa. Pediu a palavra e chorou o tempo que faz.
Os cães ladraram para os céus quando lhes disse que estava de regresso à escarpa. Uivaram como de costume as suas rezas.
Quando cheguei - o vento arredondava arestas na memória das pedras - e eu só tinha que fazer o que fiz.
Perguntei à romãzeira - que hei-de fazer senão amar-te ?


 

30 comentários:

  1. Limpei o meu olhar
    Não para te ler melhor
    Mas para beber cada verso teu

    Juro, não vou continuar a chorar o tempo que faz!

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  2. Que hei-de fazer senão continuar a ler-te?...

    Beijinho.

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  3. Uma escrita fantástica!
    Até a falar de como o tempo pode fustigar as colheitas e a vontade dos homens...
    Que fazer? Continuar a ler textos de tão grande beleza.
    xx

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  4. Quando até o próprio céu chora o tempo, só nos resta perguntar às árvores se ainda sabem de que falamos quando dizemos amor.

    Um abraço

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  5. É tanta a poesia que chove, aqui...

    Amar é o único que se faz
    sem se fazer.

    Beijo

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  6. Enfrentar temporais com a boca cheia de pássaros livres...


    Um beijo


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  7. e os beijos com sabor a romã, perderam-se no vento, por isso e ainda hoje os temporais quando se abatem na escarpa trazem o sabor das romãs no voo dos pássaros...


    :)

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  8. Gosto de te ler como gosto do vento nas árvores.
    Porque não a poesia de uma romanzeira?
    Abraço

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  9. Gosto bastante desta nova linha das romãs... Muito bela, muito estilhaçante, desconcertante, muito para além do real.

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  10. E, de repente, a romãzeira que existia no quintal da minha bisavó Donata desenhou-se na minha memória e trouxe-me o doce sabor dos bagos vermelhos das romãs por altura do S. Martinho!

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  11. a Senhora das Tempestades em todo o esplendor de sua glória...

    abraço, poeta.

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  12. O percurso do vento

    a escrever a memória

    deste amar a enraizar

    a romãzeira encantadora

    do tempo...

    Uma beleza encantadora

    que levamos ao ler-te!!

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  13. um dia, há vários anos, escrevi um poema cujo título se chamava
    "romãs para piano". o seu texto trouxe-mo à memória...

    um prazer cada leitura, cada releitura, sempre.

    bfs, fraterno abraço
    Mel

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  14. ... que fazer senão voltar a confessar-te que me deixas sem palavras?


    O meu abraço!

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  15. Tivesse eu uma romãzeira, e ali ficaria a vê-las amadurecer para as apanhar e relembrar os rituais observados em criança quando me descascavam as romãs, com cuidado, não fosse o sumo manchar o bonito vestido... e depois uma colher de açúcar por cima até derreter e fazer as delícias da minha ansiedade de menina perante tal guloseima.
    Hoje quem mas descascou já não o pode fazer. Nem como romã reconhecerá o fruto. Hoje sou eu que as descasco e já não adiciono o açúcar...
    : )

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  16. ...adoro romãs .
    Posso continuar a lê-las ?

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  17. uma prosa bem conseguida! Espero que a Romãzeira esteja em plena comunhão com o seu coração.

    abraço e boa semana

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  18. É difícil prever o tempo quando se houve Dianne Krall em noite de temporal...

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  19. ler-te!
    reler-te!
    insistir
    é satisfação!

    mãos cheias de tantos
    em um!

    belíssimo, Eufrázio.
    bj.

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  20. E.. se eu gostava de romãs.. passei a olhá.las libidinosamente.

    Somente um outro olhar.
    :)

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  21. Desta romã destaquei uma a uma cada sementinha, todas elas, vermelhas, brilhantes, estuantes de vida.

    Belo!

    Abraço

    Olinda

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  22. Claro...
    "Na verdade - mais importante que as pontes são os rios indomáveis."
    Gostei das histórias da romã, fruto de uma beleza extraordinária!

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