publicado no meu "Caçador de Relâmpagos" (reconstruído)
... conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada, estreita, iluminada pela lua cheia.
De repente, um vulto na minha rota que não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor.
Ao contrário do que se diz, as fotografias não substituem as palavras mas esta sangrou-me.
Sai do carro e ajoelhei-me junto do animal, um rafeiro alentejano lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho
- Camarada mataste um cão sem dono.
A lua cheia inundava o silêncio e eu levei-o ao colo para o interior do carro.
Quando cheguei a casa, só pude fazer o que fiz.
Chamei o Dique e encarreguei-o de convocar todos os cães da aldeia.
O funeral foi marcado para a meia-noite.
Todos compareceram
Solidários, amigos mais corajosos ofereceram-se para escavar a sepultura num canto da horta, onde espontânea medra a hortelâ.
Todos reunidos no silêncio quando um uivo comovido despoletou em choro.
Só o Dique não chorou.
Trazia na boca uma flor vermelha que largou na sepultura.
Não sei se os cães, em vez de donos não deveriam ter "apenas" amigos. Por mim, nunca me senti dono de um cão. Acho que tu... também não.
ResponderEliminar(Não posso conferir. Não tenho teu livro ao pé...)
Segundo mue filho, cães não choram, mas sentem profundamente, talvez mais profundamente do que muita gente.
ResponderEliminarA sensibilidade extrapola a condição humana. Os bichos (irracionais - ? - ) também amam...
ResponderEliminarCaro Eufrázio
ResponderEliminarQuase diáriamente, depois de dar uma volta pela "chafarica" para ver se está tudo bem. Venho dar uma espreitadela. Por vezes dou uma gargalhada, outras não consigo evitar uma lágrima. Ontem foi o LidaCoelho, com uma estória e um poema com rouxinóis que me comoveu. Hoje foi a tua estória que igualmente me fez soltar uma lágrima...também nós por vezes precisamos de um "murro no estômago"
Abraço
Pois é!... Quando "uivar" é o mais fácil!... Mas haverá sempre um "cão", que sente!...
ResponderEliminarTal como a Saudade no cão de barro!...
Valham-nos os cães que sentem e os cães sem dono!...
Abraço
Um conto breve e lindo com um enorme significado.
ResponderEliminarna flor vermelha, o coração com as lágrimas. o Dique não chora à frente de ninguém.
ResponderEliminargosto deste teu conto.
beijo.
Somos cães sem dono sem direito a uma flor por epitáfio.
ResponderEliminarPoema pleno de significado, um louvor à dignidade da vida...
ResponderEliminarAbraço
Não vale, meu amigo... quer, neste dia soalheiro, colocar a sua amiga aqui a chorar?
ResponderEliminarEste conto tocou-me profundamente quando o li pela primeira vez e, volvido este tempo ... "chorei com os cães" ... em cada flor vermelha que morre na planície que não é pão!
Deixo-lhe um beijo fraterno, um afago especial ao Dike (com K). Ele é um cão de verdade, de coluna que não verga a não ser para gestos enormes como este "Trazia na boca uma flor vermelha que largou na sepultura."
Mel
Outro belo poema, caro Filipe!
ResponderEliminarE que outra flor poderia o Dique deixar na sepultura de um cão sem dono!?...
ResponderEliminarCertamente que nessa flor vermelha estava o seu coração sangrento e amargurado, enaltecendo a vida perdida de um amigo.
ResponderEliminarbelo e tocante
Quando gostamos de animais eles fazem parte da família.
ResponderEliminarSempre houve cães na casa dos meus pais, é uma tristeza quando desaparecem.
Não tenho cães mas gatos. Contudo, a sensação é a mesma que narra nesta história.
Boa noite, sem meia-noite!
Ah! Agora percebi que para além deste texto de grande dignidade animal, há realmente aquilo a que eu me referia atràs - "O caçador de relâmpagos".
ResponderEliminarPorque será que cada vez que pergunto uma coisa aqui ela acontece, ou melhor já aconteceu?
A humildade é grande quando a obra é basta, de há tanto anos que nem sonhavamos com blogues, de anos em que já sonhavamos com a liberdade e lutavamos por ela.
E este "Caçador de Relâmpagos" é de que ano? Na contracapa do "Para lá do Azul" diz - Inédito: "Caçador de Relâmpagos" (Contos a publicar), palpita-me que andam por aí. Também já vi que existem mais contos publicados em 1978 e eu que só me fixei na poesia. Santa ignorância!
Não devia ter esquecido certos apontamentos biográficos, afinal os contos e o romance já têm publicações com mais de 20 anos, para além de tudo que está antes e depois e que não precisam de estar aqui pendurados do lado direito para dizerem do teu valor.
Parabéns Eufrázio e obrigada pela partilha, porque és essencialmente um Homem de partilhas.
Obrigada
Branca
Peço perdão da troca do v pelo b em vasta e um erro de plural em tantos e emendo: A humildade é grande quando a obra é vasta, de há tantos anos que nem sonhavamos com blogues, de anos em que já sonhavamos com a liberdade e lutavamos por ela.
ResponderEliminarBeijinhos
Pois-me a chorar, Eufrázio....
ResponderEliminar:((
A flor vermelha que o Dique largou na sepultura tinha todo o choro no silencio e uma eterna despedida.
ResponderEliminarum abraço
oa.s
Não basta chorar a morte dos cães, mesmo de aqueles que não têm dono. É preciso dar-lhes a dignidade que merecem, mesmo depois de perecerem.
ResponderEliminarDique sabe disso.
Nós também não o deveriamos esquecer!!
Um abraço
Olha... comovente.
ResponderEliminarFizeste-me lembrar quando o meu Deko se escapou para debaixo de uma ambulância de corrida e tivemos depois de chamar o veterinário para o abater, porque já nada havia fazer.
Bolas! tristes recordações...
Belo e pungente e comevedor!
ResponderEliminarEufrazio
ResponderEliminarComovente!!! Emocionei-me profundamente. Eu penso que não somos donos de nada. Nós temos um companheiro não somos donos dele, temos um filho não somos donos dele, assim é o mesmo com os cães. Por vezes o cão sente mais que própriamente muitos de nós homens.
Beijo
Uma boa alma que se foi...
ResponderEliminarbem que poderíamos aprender com eles...
ResponderEliminarO Dique não chora...mas tem nele, todos os sentimentos do Mundo...
ResponderEliminarMaravilhosa sensibilidade...
ResponderEliminarUm beijo, amigo.
"cão como nós"... como não sangrar se morre às nossas mãos, porque - nós como eles -.
ResponderEliminarabraço.
os rafeiros alentejanos são cães bons
ResponderEliminaresse tinha sentido de humor
se me atropelasse, apelidá-lo de camarada, seria a última coisa de que me lembraria
a primeira, é dizer-lhe que venha daí o (3)!
um abraço
manuela
Gosto da expressão literária onde o imaginário se confunde com o real e o real com o imaginário.
ResponderEliminarFez-me lembrar o anexim
"Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães"
Um beijo
Eles, os cães, mais humanos que os homens. Beijos
ResponderEliminara sensibilidade em alta.
ResponderEliminarcomovida estou!
um beij
Até os cães choram.
ResponderEliminarCadinho RoCo
Não é preciso choro para dizer o lamento. Mas é necessária acção para dizer humanidade.
ResponderEliminarUm abraço!
Mar Aravel, conseguiu pôr-me a chorar. Amo os animais, considero o homem, animal irracional e não animal racional. Os exemplos dados pelos nossos grandes amigos, mostram que são mais racionais do que muitos seres humanos. O seu conto é de uma beleza comevedora e concordo com o primeiro comentador. Os animais não devem ter donos e sim amigos. Quem maltrata os animais, deveria ser castigado por lei e não um castigo faz de conta.Quem não crê que os cães choram, está está plenamente enganado. Eu sofri a morte de um gato que viveu comigo 21 anos e quando estava a morrer, as lágrimas caíam-lhe pelos olhos a olhar para mim, como se sentisse a morte e estivesse a fazer a despedida. Mais tarde, foi uma gatinha, com 12 anos, também chorou e tenho uma cadelinha com 14anos, ( uma rafeirinha), que se me vir triste ou doente, as lágrimas saltam-lhe pelos seus belos olhos. Só quem, não ama os animais, pode pensar que os animais não sentem como nós.Na flor vermelha uma lágrima de... Bem haja meu amigo, pelo seu excelente conto...espero que seja mesmo um conto...e não um conto real!!! Abraço amigo.
ResponderEliminarEsta fotografia deixou-me em estado de pura alegria. Esse cãozinho devia estar cheio de puros e grandes sentimentos. Logo se vê pelo ditado o cão é o melhor amigo do homem. Mil beijos!!
ResponderEliminarSó sei que me comoveste demais, já que o tema foi um cão, ainda por cima atropelado. Sei que às vezes é impossível evitar, mas há tantas outras vezes que não se evita por inércia...e nem sempre há um Dique para levar uma flor, seja ela branca, vermelha ou amarela.
ResponderEliminarÉs um bom contador de histórias.
Abraço.
Uma ternura de texto. Quando se ama os homens, não se pode ficar indiferente à dor dos cães.
ResponderEliminarCaro amigo
ResponderEliminarJá estou ansioso pelo 3!...
"Pinte-o", não importa a cor!...
Abraço
Quicas
Um livro de ler e reler sempre com o mesmo prazer. e o cão sempre fiel.
ResponderEliminarAbraço.grande!