Os silêncios não são todos iguais. Este é o da vasta planície aloirada, mais longo que o espaço dos teus braços abertos. Um silêncio pontuado por rebanhos, azinhagas e azinheiras. Um silêncio de cal e casas rasteiras. Cânticos em grupo ao ar livre quando a lua está cheia e os homens se encontram para falar, cantando.
Neste silêncio de ventos brandos e quentes - que nem parecem ventos - os olhos do senhor Anastácio não se vergam.
Nunca foi maioral mas fazia milagres com o assobio. Cruzava a "estrada" com a bandeira nacional hasteada no cajado, para anunciar ao silêncio que o gado lento ía atravessar.
Pastor de sonhos, dormia com os animais. Só aparecia em casa aos fins de semana.
No Verão, quando o tempo fervia o sangue da planície e o silêncio se tornava insuportável, quando a vida se tornava palha - alugava um táxi na aldeia e levava a mulher e os filhos ao litoral, só para que vissem o mar.
Encharcava os moços de brilhantina e a mãe protestava.
- Tanta brilhantina Anastácio.
- É para os moços não se perderem na praia.
Sentados nas areias molhadas, enquanto os putos se perdiam de vista, o senhor Anastácio dizia baixinho.
- Maria, este não é o meu mar. Esta não é a minha gente. A minha gente são os teus olhos de mel.
- Não mintas.
De súbito o homem do táxi alertou em voz alta.
- Anastácio, está na hora do gado.
Um assobio silvestre e a canalha tresmalhada não apareceu. Teve de percorrer o rasto da brilhantina.
À chegada o gado à solta balia e o senhor Anastácio disse uma vez mais- baixinho.
- Meus filhos, só vocês não se perdem.
Belo texto...
ResponderEliminar"o meu mar são os teus olhos de mel" ...Linda metáfora!
Os pastores são quase sempre poetas!
:))
Delicioso o pormenor da brilhantina, hoje com gel perdiam-se como o gado.
ResponderEliminarUm belissímo conto feito de raízes e maresia.
ResponderEliminarTodos nós já nos perdemos um pouco nestas sociedades tresmalhadas pelo consumo e pelo egoísmo.
Há silêncios que são apaziguantes e nos trazem a beleza dos dias.
Há silêncios que são culpados quando se alimentam da indiferença ou da conivência perante a injustiça. São estes últimos que pretendo romper com o meu grito.Mas é tão pouco...
Abraço
Até ele era capaz de se perder nos olhos dela... :)
ResponderEliminarbeijos
Muito bom!
ResponderEliminarTu que trazes no peito algo de Manuel da Fonseca.
Abraço
Anastásio, homem da terra e para a natureza
ResponderEliminarE tanto se diz num silêncio!
ResponderEliminarBeijo
Retrato quente em texto magistral.
ResponderEliminarLindíssimo. Mais não digo.
ResponderEliminarEstes são os verdadeiros impérios dos sentidos.
ResponderEliminarTexto lindo, harmonioso : auto retrato da alma ?
ResponderEliminarSilêncios que procuramos entender... talvez.
ResponderEliminarAbraço
Chris
asubios e brillantina para non perderse,e silencios baixiños para atoparse,gústoume moito......
ResponderEliminarbeijhos.
Um lider por natureza, prudente por necessidade e sonhador. Mas sempre soube onde era o seu lugar.
ResponderEliminarbjs
A voz da terra é azeda no seu soprar ,contrasta com o embalar doce do mar. Porém as suas entranhas geram fios invisíveis se amor.
ResponderEliminarAs suas palavras são belas, sempre.
Bj.
SILÊNCIOS
ResponderEliminarHá silêncios bons e outros nem por isso.
Tristezas já chegam cá para os meus lados.
A crise bateu à minha porta ontem e uma carta p/Desemprego está aqui à espera de 2ª feira ser entregue no Centro de Emprego.
Enfim...a vida tem destas coisas!!!
Neste momento ainda me encontro em convalescença da pneumonia, por isso quase nem posso brincar c/os netos, nem passear, nem fazer arrumações e limpezas de Verão, enfim...há que ter paciência.
Atenção: não quero ser a "coitadinha" pois algumas pessoas depois de lerem que estou doente, reagem muito mal, com comentários mesmo desagradáveis.
O meu ultimo post tem a ver com o "MAU" que existe na Blogosfera, fico triste. Mas a vida é assim!
Deixo-te um beijo e votos de óptimas semanas de Verão.
Antes de sair para férias passo para deixar meu abraço de agradecimento e de apreço pela qualidade do seu blogue...com excelente poesia.
ResponderEliminarVéu de ;aya
a forma mais bela de dizer o silêncio.
ResponderEliminare de falar destes olhos de mar.
_________ e é tão grande o olhar do pastor
Um beijo Eufrázio
fervente este texto...como silêncio de estevas e muito de sensível movimento no dis.correr da palavra....quente e INTELIGENTE!
ResponderEliminar.
beijo .
E.
É sempre tão bom ler a tua escrita...
ResponderEliminarFeliz semana, meu amigo.
curto e profundo no horizonte dos pensamentos...
ResponderEliminarMuito bonito este texto... parabéns! nem em atrevo a tecer grandes análises... sou péssima nisso... acho que nem sei o sentido do que eu própria escrevo. Mas como disse um dia Augusto Abelaira, "no dia em que num livro perceber finalmente o que quero dizer, deixo de escrever". Talvez afinal as palavras sejam mesmo muito maiores que nós, que as escrevemos...
ResponderEliminarUm silêncio feito palavras sentidas e muito belas.
ResponderEliminarUm abraço.
Claro, vindo das planícies doiradas tinha que se chamar Anastácio, como o meu avô paterno...
ResponderEliminarUm forte abraço!!!
De rebanhos percebem os portugueses. Não de os pastorarem; mas de o serem.
ResponderEliminar... gostei! Um curto texto imbuído de tanta poesia!
ResponderEliminarO contraste tremendo do nosso país: a serrania e o mar!
Mas nas duas 'searas', a vida sempre 'dura' ... a das suas gentes!
E mesma assim, há tempo para a doçura... 'olhos de mel'!
quanta ternura
ResponderEliminarquanta beleza
quanta verdade
tanto MAR
( sem mais palavras para não perturbar o encanto que perdura )
.
um beijo
"Os silêncios não são todos iguais. Este é o da vasta planície aloirada, mais longo que o espaço dos teus braços abertos. Um silêncio pontuado por rebanhos, azinhagas e azinheiras. Um silêncio de cal e casas rasteiras. Cânticos em grupo ao ar livre quando a lua está cheia e os homens se encontram para falar, cantando.
ResponderEliminarNeste silêncio de ventos brandos e quentes - que nem parecem ventos ..."
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Este canto.conto.cante, fervilha
Tem vida. Cor. Pulsa
Belíssimo, arável
um beijo de espigas loiras
iv
Até parece que
ResponderEliminaralguns dos seus textos
se soltam do meu ventre....
Poemas
prosas poéticas
de uma ou outra forma
transportam-me
para cenários que bem conheço
onde (re)vejo
paisagens, seres vivos
modos de vida
e pessoas
que amo e jamais esquecerei.
Neste destaco
a planície alentejana
seus adornos
e meu pai também!!!
princesa