segunda-feira, 4 de junho de 2018

CHOREI COM OS CÃES






Conduzia na estrada do Barranco do Bebedouro - serpenteada,estreita,iluminada pela lua cheia.
De repente um vulto na minha rota. Não pude evitar. Só o vi pelo retrovisor. 
Ao contrário do que se diz, as fotografias não substituem as palavras, mas esta sangrou-me.
Saí do carro e ajoelhei-me junto do animal- um rafeiro alentejano, lindo, que ainda me olhou nos olhos e disse baixinho 
- É pá - mataste um cão livre.  
A lua cheia derramava-se, inundava o silêncio de cores pálidas e eu levei-o ao colo. 
Quando chegámos a casa só pude fazer o que fiz.
Chamei o Dique e pedi-lhe para convocar todos os cães da aldeia. O funeral foi marcado para a meia noite.
Todos compareceram.
Solidários quatro amigos mais corajosos ofereceram-se para escavar a terra, num canto da horta, onde espontâneas medram as hortelãs.
Todos reunidos no mais profundo silêncio, quando um uivo comovido despoletou um choro colectivo.
Só o Dique não chorou. Trazia na boca uma papoila que largou na sepultura. 


Eufrázio Filipe
"Caçador de relâmpagos"

18 comentários:

  1. Que belo texto! Adorei! ;)

    Beijo e uma excelente semana.

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  2. Um texto muito belo que me comoveu.
    Um beijinho.
    Ailime

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  3. "Só o Dique não chorou"
    E lá fiquei eu a pensar, quantas vezes serei dique, um dique cheio de água, no limiar de transbordar, mas sustenho as lágrimas, e me socorro das metáforas, quase sempre de palavras, para elaborar afetos.
    Mas é mais libertador quando me junto ao uivo.
    (Duas partes igualmente genuínas)

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  4. Excelente, poeta, excelente!
    É sempre bom passar por aqui.
    Abraço.

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  5. Que dizer de um texto destes? Fiquei sem palavras.
    Abraço

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  6. Toda a tua sensibilidade expressa neste magnífico texto poético.
    Uma boa semana, meu Amigo.
    Um beijo.

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  7. o Dique está a perder qualidades - as flores são para os vivos!
    os mortos dispensam-nas!

    abraço

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  8. A intimidade faz-se na estrada
    da vida, imprevistamente, com um pá.
    Nem uma reza um gajo faz, basta
    uma papoila em seu natural.
    Vermelha, pá!

    Abraço.

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  9. "Caçador de relâmpagos" - o título não podia ser mais adequado ao conteúdo que tenho lido por aqui.
    Bjinho

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  10. Uma beleza.
    Um mago das palavras que as faz brilhar como as as edtrelas mais poderosas.

    Abracinho

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  11. Lindo e comovente.Adoro cães e esta história é mais um comprovativo de como temos ainda muito que aprender com o comportamento dos animais...! Um abraço.

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  12. Uma homenagem perfeita a quem nos deixa... E no silêncio fica tudo dito...
    Beijos e abraços
    Marta

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  13. Um texto lindíssimo! Sem mais palavras para o descrever

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  14. Um texto inesquecível.
    Um abraço do longe

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  15. Caro Poeta

    Levei por empréstimo este excelente trabalho poético.

    Espero que não se importe.

    Saudaçoes Poéticas
    http://ecosdepoesiaeliteratura.blogspot.com/

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