terça-feira, 27 de março de 2018

ILHAS ADJACENTES




Na alquimia do tempo que faz, há sempre um albatroz que atravessa as arcadas da memória, desfaz-se em gestos de ternura, dissolve-se no pôr-do -sol, invade-nos o sonho, passo a passo. 
- Desejo que germines em vagas nas arribas, que rebentes a marulhar no labirinto das areias. 
- Desejo que nunca encontres marinheiros cegos, muito menos na esquina das palavras a apascentarem barcos prateados com mãos incompletas. Desejo ficar aqui no perfume dos limos, mesmo que as vagas só despertem por sobre os restos do último naufrágio. 
- Sejamos navegantes desgrenhados contra todos os destinos. 
- As melhores viagens acontecem sempre antes da partida e no regresso. No ciclo das marés. Só assim consigo partilhar o ardor das velas do nosso mar. 
- Pareces a ministra que conheci no dia da remodelação do governo.
- Meu amor rema.
- Não consigo dormir. 
- Vamos fazer amor? 
- Só nos espelhos. 
- Hoje não estou a gostar do modo como os espelhos nos olham. Este rio está uma sopa. Ressoa brando nas fissuras das pedras. Repara como a praia deserta se amontoa de areias sem abrigo. 

Inesperadamente um albatroz poisou majestoso aos nossos pés. Fixou-nos com olhos vivos e perguntou-nos baixinho num afago de asas - de que cor são os meus olhos - e tu não soubeste responder. 

- Apetece-me viajar ainda mais . Porque não vamos ao Bugio? 

Construímos um barquinho de papel e partimos ao sabor da brisa. 
Lá estava sentado nas águas do rio, imponente, coluna na vertical e sereno. Sábia fortaleza, sempre alerta, - hoje um farol a piscar os olhos no estuário do Tejo, como nós, ilhas adjacentes. 

- Vamos fazer amor?
- Ainda não disseste a cor dos meus olhos. 


Eufrázio Filipe

19 comentários:

  1. Teu poema
    parece um conto
    Teu conto
    parece um poema

    Seja e que seja
    o Bugio
    está do meu lado
    e da minha janela
    vejo tudo

    até a cor dos olhos
    que ela não referiu

    ResponderEliminar
  2. Ao sabor do vento construíste um barco de papel e foste com ele até onde o pensamento te permitiu... Um albatroz te guiou...
    Uma boa Páscoa.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  3. Simplesmente maravilhoso o seu poema em versos de fascinação.
    .
    * Mulher: A essência sem raça nem cor. *
    .
    Desejando um abraço

    ResponderEliminar
  4. Ás vezes, não é preciso dizer... Basta simplesmente olhar....
    Lindo...
    Beijos e abraços
    Marta

    ResponderEliminar
  5. Havia pertinência da pergunta.
    Só não sabe dizer a cor dos olhos
    quem nunca olhou bem dentro deles
    até esvaziar a alma de todo o negrume
    aí vemos que os olhos só podem ser
    da cor do Mar, oh Mar!!!

    .

    ResponderEliminar
  6. ao sabor do vento
    e de um barco de papel
    tudo é possivel
    no sonho do Poeta

    boa páscoa

    beijinhos

    :)

    ResponderEliminar
  7. Lindo, lindo!
    Passei para desejar Santa Páscoa, com alegria, amor e... muitos barquinhos de papel!
    Abraço.

    ResponderEliminar
  8. Ótimas viagens, Amigo, num barco luminoso, bem acompanhado e rodeado de pássaros azuis...
    Dias felizes.
    Abraço.
    ~~~

    ResponderEliminar
  9. Será que ainda não tinha olhado nos olhos, ou há coisas que se dizem sem palavras?

    Convidamos-vos a ler o capítulo VII do nosso conto escrito a várias mãos "Voar Sem Asas"
    https://contospartilhados.blogspot.pt/2018/03/voar-sem-asas-capitulo-vii.html

    Votos de Feliz Páscoa!
    Saudações literárias

    ResponderEliminar
  10. Uma boa Páscoa para si, Mar Arável:)

    Um beijo:)

    ResponderEliminar
  11. Bela postagem! Parabéns!
    FELIZ PÁSCOA
    Autor: Laerte Sílvio Tavares

    Que a luz da ressurreição
    De Cristo Nosso Senhor
    Brilhe no teu coração
    E se refrate em amor,

    Permeando a tradição
    De fé, a dar esplendor
    Às festas pascoais que são
    Frutos da Paixão e dor

    Transformadas em alegria
    De Madalena, Maria
    E de toda a humanidade!

    Feliz Páscoa, pela via
    Do amor – nossa luz e guia
    Na fé e na caridade!

    Tudo de bom. Abraço. Laerte.


    ResponderEliminar
  12. Voltarei...
    Hoje, passo de leve para desejar um bonito domingo de Páscoa.
    Bjinho docinho

    ResponderEliminar
  13. Num barco de papel
    Ao sabor da ventania
    serão olhos cor de mel?
    Ou do tom da ousadia?

    Adorei o teu texto ao sabor da maré. Boa semana e beijos com carinho

    ResponderEliminar
  14. Um belíssimo poema,
    de presente,
    tempo infalivel de se ser
    - desejo -
    tempo de navegar
    mesmo os cegos marinheiros
    de rotas nas mãos,
    cordas, leme e velas e
    mastro a pino.

    Parabéns, muito bom!
    Abraço.

    ResponderEliminar
  15. Um diálogo poético tão belo, Poeta!
    Um beijinho,.
    Ailime

    ResponderEliminar
  16. Encantador momento de ternura(s) numa prosa de arrancar assobios :)

    ResponderEliminar