Antes de chegar às galerias, identificaram-me com um sorriso.
Subi no magnífico elevador, conduzido por um delicado polícia.
Sentei-me nas galerias e olhei para baixo.
Lá estavam os representantes da nação. Os eleitos da república. A palavras cruzadas, as ideias esgrimidas, as bandeiras nas lapelas, os passos perdidos. As palavras os gestos os silêncios. Os crentes e os farsantes. Desiguais.
Inocente,segredei a um jovem cabisbaixo, companheiro de galeria:
- " coisa linda esta democracia"
Lá em baixo também estavam os meus, pouco numerosos ainda mas a combaterem pelas minorias que vivem nos subúrbios de tudo.
Lá em baixo quase todos esquecidos de subir os olhos para as galerias, tricotavam a verve, gesticulavam poses de verniz.
De quando em vez disparavam blasfémias, partilhavam impropérios para mais tarde se abraçarem à hora do repasto.
Inocente o jovem cabisbaixo segredou-me:
- "comigo um dia isto será diferente"
Terminada a sessão plenária os deputados saíram como estava previsto. O amplo salão ficou vazio, soberbo e solene.
O salão ficou a registar memórias e eu deixei-me ficar até ser convidado a sair pelo mesmo delicado polícia.
Como foi o último plenário antes das férias de Verão, resolvi festejar em silêncio.
Procurei um restaurante no belo bairro de São Bento e sentei-me à mesa.
Pedi o prato do dia.
Serviram-me um discurso de Passos Coelho. Rastejante. Intragável.
Fechei os olhos, abri os olhos e pedi o livro de reclamações.
Levantei-me da mesa sem pagar. Os empregados ficaram a ler o meu protesto.
Lá fora ainda ouvi alguns aplausos mas fiquei na dúvida quanto aos seus votos.
Dei uma volta ao quarteirão e na passagem ainda olhei para o magnífico edifício.
Para meu espanto a porta rangeu.
Começou a abrir-se lentamente.
Era a senhora da limpeza.
Eufrázio Filipe
Publicado (reconstruído) no "CAÇADOR DE RELÂMPAGOS " 2010 "ÂNCORA EDITORA
estranho que não se tenha cruzado com alguns fantasmas
ResponderEliminar:)
~~~
ResponderEliminarSe a senhora da limpeza pudesse limpar toda a sujeira do palácio...
Bj ~~~~~~~~~~
A senhora da limpeza, uma pessoa coerente e discreta no meio de fantasmas e de incoerentes...
ResponderEliminarInteressante...
Beijos e abraços
Marta
Ela... a senhora da limpeza... a mais digna entre todos?
ResponderEliminarAdorei o texto, tanto a nível técnico...muito bem escrito...como pelo tom irónico, sarcástico, mordaz!
ResponderEliminarParabéns!
bj
A senhora da limpeza com a dignidade do povo
ResponderEliminara limpar a sujeira dos políticos!...
Excelente narrativa!
Grata pela sua gentil visita e comentário
no meu blog.
cada palavra um tiro
ResponderEliminarcerteiro
Abraço
Sentamo-no à mesa, servem-nos o que bem entendem e depois, o remédio é pagar. É assim a vida de todos nós tendo de engolir os discirsos balofos dos nossos politicos e no fim tentar da forma que pudermos limpar a sujeira que deixam por onde passam . Não é só a mulher da limpeza... nós também. Interessante, amigo! Fica bem. Um beijinho
ResponderEliminarEmilia
e discreta e enigmática "senhora da limpeza".
ResponderEliminargostei!
original, muito.
beijo
:)
Interessante e oportuno o fecho, com a senhora da limpeza ;)
ResponderEliminarabç amg
diligente a "senhora da limpeza"
ResponderEliminarnão perde uma oportunidade em mostrar serviço
por este andar ainda chega a deputada
da maioria, claro.
abraço
No fim de cada plenário há sempre necessidade que haja alguém para fazer o trabalho sujo: limpar a porcaria que todos fizeram!!
ResponderEliminarO meu amigo não gostou, pagou, mas...bufou!
Tomem lá que é democrático!!
Beijinhos e boa continuação.
Apreciei a mordacidade da "crónica"...
ResponderEliminar(Só uma senhora da limpeza?)
:)
Olá boa noite,
ResponderEliminarUm texto magnífico sobre o que se passa na Assembleia. Dose de Coelho ao almoço indegesto e tóxico.
A senhora da limpeza, providencial...
Bjs
O que a Senhora da Limpeza tem de aturar!
ResponderEliminarEssa do livro de reclamações está muito bem lembrada. Pena é o pobo, sem saber ler nem escrever, persistir em pastelões de coelho.