quarta-feira, 23 de junho de 2010

PÁTRIAS REPARTIDAS



Andamos há tanto tempo
de um lado para o outro
na remoção do pó
no compasso dos relógios

a construir barcos vertebrados
traços de luz
para os peixes não se afogarem
em lágrimas

Projectados nas paredes da casa
dentro e fora do corpo
peregrinos em espaços rasgados
por sobre as águas
afundámos uma ilha
mas ainda não renascemos
a pintar com a boca na boca
uma maré cheia de salivas
e novas tempestades

Andamos há tanto tempo
nas vagas
que não sabemos se é pó
o desacerto dos relógios

lágrimas nos olhos dos peixes
barcos pintados
ou pássaros livres quase perfeitos
neste mar de pátrias repartidas

29 comentários:

  1. "Andamos há tanto tempo
    nas vagas
    que não sabemos se é pó
    o desacerto dos relógios"

    estes 4 versos vou guardá-los no meu livrinho de aforismos.

    Obrigada.

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  2. O poema é lindíssimo, aliás como todos que tenho lido no seu mar.

    Realmente eu ia sublinhar os quatro versos que hmf sublinhou são verdadeiramente bonitos!

    Mas os segunites são igualmente belos, fez-me lembrar um pintor russo que expôs no Centro Cultural de S. Lourenço, Algarve. Tenho que o procurar entre as minhas coisas

    «lágrimas nos olhos dos peixes
    barcos pintados
    ou pássaros livres quase perfeitos
    neste mar de pátrias repartidas»

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  3. Talvez todo o sal desse mar, afinal não sejam lágrimas de Portugal.

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  4. Muito bom, como sempre.

    O nosso desacerto neste tempo, neste espaço que nos coube.

    Um beijo.

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  5. A sua poesia, Eufrázio, é, aliás como já bastas vezes referi, e não tantas quantas a mesma merece, das líricas mais belas que leio. Limpa, depurada, e, simultaneamente - talvez o mais importante - cadenciada em vagas serenas de quem, da vida e na vida, opta por, generosamente, dar(se). E isso é, a meus olhos, aquilo que distingue o ser humano.

    Leio-o sempre e com enorme prazer. Desde poema, em particular: nada destaco - é um todo, belíssimo - consolida, de forma liminar o que anteriormente digo, sedimenta e acrescenta, camada a camada. Muito, muito belo.

    Abraço, Eufrázio.
    Bem-haja
    Mel

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  6. Há tanto tempo que nos afogámos...nas lágrimas sem pudor!

    Poético...este sentir!

    Beijo

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  7. Perdoar-me-ás se estiver errada a minha interpretação:
    As sucessiva crises de identidade que a História regista vão sendo mais ou menos profundas.

    Por falta de lideranças fortes;
    Por esquecimento de contextualização;
    Por tudoi e por nada;
    Por falta de desígnio;
    Qualquer dia nem a bola...

    O teu poema, a tua arte de escrever poesia, essa, é superlativa.

    Um abraço

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  8. "Talvez a Distância se faça (um dia)

    E seja safra..."

    agrada-me sobemaneira esta sintonia de "preocupações"... poéticas...

    excelente. o teu Poema.

    abraços, Amigo.

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  9. Yo amo mi País, no me muevo de aquí.
    Cariños para ti.
    mar

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  10. Há tanto tempo...
    que acabamos espraiados na areia, confusos com o voar das gaivotas e o compasso dos relógios.

    Sempre singular e bela a sua poesia.

    Um abraço

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  11. Eufrázio,

    é _____________ BELO, o que escreve,

    é ____ privilégio meu, LER.

    um sorriso :)
    mariam

    nota: também gostaria muito de ouvir declamar, os seus versos.

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  12. Grande poema!
    Neste mar de vagabundos do tempo.
    Abraço

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  13. E,
    Por quanto tempo
    mais
    andaremos nós
    pelas vagas
    quase afogados
    à procura da ilha
    afundada
    ou do paraíso
    por inventar?
    Para quando
    o acerto
    dos relógios do poder?
    para quando???

    princesa

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  14. Andamos assim há tanto tempo que nos esquecemos de ser felizes...
    mas trepemos essa escada, galguemos esse mar!
    Bjos

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  15. O tempo em que nos enredamos, submersos no que menos importa...

    Abraço

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  16. o pó das horas, caro eufrázio, é o suco dos poemas... um grande beijinho e bom fim de semana!

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  17. Mais uma vez vou-te ler em voz alta...
    Beijo

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  18. Na condição perene de peregrinos, que sempre encontremos espaços rasgados, dentro e fora do corpo.
    Um abraço!

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  19. desacertos como o desencontro dos sonhos.

    faz-se ao mar a pátria que escolhe as marés que hão-de dizer as bocas


    __

    beijos Eufrázio

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  20. "Andamos há tanto tempo
    de um lado para o outro"

    Tem toda a razão. Sábias as suas palavras. Bonitos os seus versos.

    :)))

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  21. sempre bela a tua poesia, de magníficas imagens, ainda que diga da fragmentação da pátria, da sua perda de identidade, dos seus "naufrágios", e das lágrimas que são a dor do sacrifício em que nela navegamos, cada vez mais perdidos nas suas "vagas"

    abraço.

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  22. O desacerto dos relógios deixa mais livres os pássaros...
    Um belo poema!
    Beijos.

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  23. Apenas uma certeza...a minha: eterna (in)quietude que me colore as paredes de dentro

    Beijo

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  24. Andamos mesmo...
    Não nos governamos nem nos deixamos governar.
    Excelente poema, na forma e no conteúdo.
    Abraço.

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  25. Talvez devamos ser cidadãos de mundo universal...

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