sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A CASA É UMA MÁSCARA




Sincopada a chuva
sacudia as folhas da cerejeira
acariciava o despontar das camélias
quando pressenti que estava
no avesso do tempo que faz

Já tinha aberto as portas
mas tu entraste pela janela do vento

percorreste todos os silêncios da casa
em espirais vertiginosas
até pousares devagar
sobre a mesa do alpendre

Trazias nos olhos um sol de mãos de cheias
um certo cansaço no trinado da voz
longas maresias

Afaguei-te a plumagem
à vista dos cães
e disse baixinho para não acordares

A casa é uma máscara

todas as casas são máscaras
que assustam os pássaros

menos a ti

33 comentários:

  1. As casas e a magia do que se encontra para lá da porta e das janelas e o que fica nos alpendres encantados. Belíssimo!

    ResponderEliminar
  2. belo poema, bela imagem «todas as casas são máscaras». por isso, a pureza dos pássaros as receia, excepto o pássaro do poema que pressentiu ternura além da máscara.

    abraço.

    ResponderEliminar
  3. Nunca tinha pensado nisso, que as casas são máscaras... e a verdade é que são mesmo...
    Ainda bem que há pássaros que não se assustam e entram, à descoberta...

    Beijinho

    ResponderEliminar
  4. Lindissímo! O instinto dos pássaros não se explica, 'canta-se'!
    Abraço

    ResponderEliminar
  5. E dentro das paredes mascaradas muitos homens tiram as máscaras e assustam os poucos pássaram que ousam entrar ou pousar no parapeito da janela aberta.

    ResponderEliminar
  6. Que bom haver um pássaro a quem a casa-máscara não assusta. Talvez porque trazia porque "trazia nos olhos um sol de mãos cheias".

    ResponderEliminar
  7. Simples

    Fora do tempo

    chegaram as " minhas " andorinhas

    ResponderEliminar
  8. A casa poderá também ser um ninho amistoso, onde sempre chega um pássaro aventureiro

    ResponderEliminar
  9. Gostei muito!

    Todas as casas são máscaras... Valeu!

    :)))

    ResponderEliminar
  10. Lembrei-me de um filhote de beija-flor que um dia caiu no meu quintal, desmaiado. Eu tinha mel de rosas e foi com isso e água que ele se recuperou, mas não sabia voar ainda. Somente no terceiro dia conseguiu voar. No quarto dia voltou... Voltou lindo, como que para agradecer. Vez ou outra ainda aparece na minha janela aberta.

    Beijinhos

    ResponderEliminar
  11. Gosto muito de percorrer todos os silêncios da casa abrigo, máscara caída.

    Um bom domingo, abraço.

    ResponderEliminar
  12. belíssimo Mar.


    É mesmo, "todas as casas são máscaras que assustam os pássaros..."

    Um abraço

    ResponderEliminar
  13. a migração do olhar das aves não se explica

    nem a forma dos telhados

    apenas a sustentação das asas
    e a proximidade de um azul que afague a plumagem.

    ______

    um sorriso e um beijo Eufrázio

    ResponderEliminar
  14. Poema lindíssimo.

    Haverá aqui (Confirmá-lo-ás, se estiveres de acordo) um movimento do exterior para o interior que passa por:

    Transpor a primeira barreira (Do exterior para o interior da casa) através da alvenaria, das suas paredes (A primeira limitação física);

    Transpor , os limites corporais dos afectos, através do corpo, a física das emoções

    Abrindo a salvaguarda ao parceiro
    «menos a ti»
    caíndo a última máscara.

    Gostei!

    ResponderEliminar
  15. ... já não chegavam as máscaras com que o executivo se disfarçava e eis que, chegada ao aconchego da casa, tinha a dita cheia delas. Desalentada, voltou à rua e foi apanhada por uma chuva fria e tocada pela vento. "Chove de tal modo que até os cães bebem água de pé", lembrou-se de um dito da sua avó. Mais adiante, uma figura vestida de manda-chuva-do-banco-de-portugal-de-saida era perseguida por uma pequena multidão de candidatos ao lugar sem disfarce algum. "Ao que isto chegou!" pensou ela "A ganância pelo lugar é tanta que nem se importam de vir para a rua descalços até ao pescoço."

    ResponderEliminar
  16. Gostei do poema.
    Pela forma e pela duplicidade do conteúdo (achei-o assim, porque a verdade está sempre do lado do leitor... a menos que a leitura seja absurda...).
    Boa semana, abraço.

    ResponderEliminar
  17. Hoje o orvalho
    apagará o teu nome
    do meu chapéu

    Matsuo Bashô, "O Gosto Solitário do Orvalho"

    ResponderEliminar
  18. Amigo:

    Um grande abraço. É bom ler-te, neste tempo em que os amigos são cintilações que nos iluminam o caminho.
    Obrigado pelo teu ofício de beleza e suavidade, em tempos tão conturbados...
    Luís

    ResponderEliminar
  19. Todas as casas são máscaras que assustam os pássaros... acho que o que os assusta é entrar nelas... essa ideia de ficarem presos, não lhes deve agradar nada, mesmo que existam afectos fortes, está na sua natureza, ser livres.
    bjs

    ResponderEliminar
  20. e as palavras, querido eufrázio, são também máscaras de outras palavras e de outras casas. um beijo.

    ResponderEliminar
  21. O que assusta é a idéia da prisão, pássaros são livres e assim devem continuar...
    Muito bom o poema, a interpretação pode ser diferente para cada pessoa, esta é sua riqueza.
    um abraço, linda semana

    ResponderEliminar
  22. Belíssimo! Mesmo!

    É assim que a poesia é lugar de liberdade e de sonhos.

    Um abraço :)

    ResponderEliminar
  23. Esta noite tive uma insónia, raríssima, só possível com excesso de café...creio que é este Governo que ataca aqueles que não podem sobreviver sem o seu salário ( ou reforma)...o congelamento na função pública,servindo de modelo para os outros, o desemprego, todos os flagelos sociais que desfilam nos telejornais e sobretudo o que não vemos mas sabemos, tem de ter um fim.
    LUTAR, LUTAR SEMPRE! com a Poesia também.Ler-te dá coragem, partilhas luz, as palavras são bálsamo, trazem ânimo, por isso volto a agradecer-te o empenho.
    Abraço
    Luís

    ResponderEliminar
  24. "invejável" esse alpendre. onde os pássaros poisam. dobrando as máscaras. e as casas.

    excelente o poema. sempre.

    abraço Poeta.

    ResponderEliminar
  25. "no avesso do tempo que faz" Que bom, as mãos cheias de sol. Mesmo quando a casa é uma máscara assustando os pássaros...
    Belíssimo, o poema.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  26. Que linda forma
    de evocar a Primavera
    o regresso das andorinhas
    a ternura
    em todos os tempos!!!
    A casa é uma das máscaras
    mais fiéis...
    ...penso.
    Ela deixa transparecer
    quem
    nela se refugia.
    Repare na cotovia.
    lembra-se?

    Princesa

    ResponderEliminar