Um dia disseste que todas as estações são apeadeiros do meu corpo e eu respondi-te que uma folha caía a teus pés e tu disseste que não eram os teus pés mas tão só dois pedestais. Estávamos de novo no Outono e tu surpreendeste-me porque sabias que a folha caíu aos teus pés e voltaste a dizer mas de outro modo - Ai se os meus pés fossem pedestais.
Foi então em conversa com um grupo de árvores que todas me disseram para não reparar nas folhas que caem porque sempre algumas se levantam e até as persistentes gostam de um sopro para voar.
Quando a meio da noite, ainda os galos não cantavam, entendeste por bem revelar-me um segredo e disseste baixinho, para eu acordar devagar
-- Fui convidada para de novo assumir a pasta da cultura. Tenho 24 horas para decidir.
A fingir de sonâmbulo respondi-te em surdina
-- Eu tenho um convite para a debulha do trigo na Malhada dos Porcos.
-- Tudo bem, ajuda a reflectir.
Partimos. O percurso tinha boas memórias. Abandonámos a via principal, invadimos as azinhagas. Libertámo-nos no pó das coisas simples. Transcendemos o caminho. Voámos. Assumimos a dimensão do espaço e recordámos uma experiência que não resultou, não sei porquê.
-- Pensei ocultar os teus olhos nos meus só para te olhar mais de perto. Recordas-te?
-- Foi quando te revelei o meu hábito de olhar o chão.
-- Quando tropeçaste uma pedra para atirar à sombra dos pássaros.
Chegámos à Malhada dos Porcos. Já estavam a borrifar o chão da eira com água do riacho. Todos em redor e de mãos dadas. Em movimento quando entraram tímidas as ovelhas. Cantámos.
Circulámos com os animais. Calcámos o chão. Uma festa de amigos.
A roda com o tempo estreitava-se aos poucos até as ovelhas saírem, finalmente livres para os estábulos.
Agradecidos batemos palmas aos animais.
Entretanto chegou o acordeão e a guitarra campaniça. Começou o baile e os petiscos com doces conventuais até o chão ficar duro para no dia seguinte o trigo ser malhado.
-- Uma vergonha.
-- Não sei porquê.
-- Porque adormecemos altas horas na eira, por cima do cereal.
-- Ainda comemos pão daquele trigo.
A luz apagou-se. Acende os candeeiros. A trovoada aproxima-se.
-- Já não se pode dormir nesta casa.
-- Uma vez mais as belas trovoadas, a chuva a lubrificar a terra e os cães que não guardam relâmpagos a protegerem-se na casa dos donos.
-- Abre-lhes as portas.
Esta trovoada brinca aos relâmpagos. Vai e vem, ululante, ribomba nas fortes bátegas. Parece o fim do mundo mas é tão só uma violentíssima trovoada.
-- Ouviste?
-- Um estoiro no jardim.
-- Que belo estoiro.
-- Não me digas que o pára-raios caçou um relâmpago.
-- Recomeçamos?
-- A história da folha aos teus pés? A Malhada dos Porcos?
Já passou.
-- As 24 horas para decidires também já passaram. Serás a ministra dos meus galinheiros e eu vou aprender a caçar relâmpagos.
Fábula? Sonho? .. mas a eira do tempo jaz nua de "-rei"
ResponderEliminarSoberbo.
Bj.
:)))
ResponderEliminarUm belo Outono numa bela prosa, repleta de símbolos e profundos significados.
Bom domingo!
Que ternura! Gostei muito de te ler. Beijos.
ResponderEliminarUm prosa cheia de poesia [a tua]. Com intertextualidade em nome próprio.
ResponderEliminarGostei tanto...
Um beijo
Porque os relâmpagos podem ser o sol (nocturno)na eira onde se desfolham as palavras iluminadas.
ResponderEliminarBelíssimo.
Um abraço
genial!
ResponderEliminarbeijo.
esta forma de escrever cantando...
ResponderEliminare as eiras, onde se recolhem os relâmpagos
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posso ir contigo?
beijos
Uma brincadeira de palavras que faz a gente passear por todas as suas outras brincadeiras, quase como um livro de códigos.
ResponderEliminarSó que desta vez você me deu imagens...
bjs ;)
Poder nas palavras e ritmica dos acontecimentos.
ResponderEliminarLiberdade no concelho... mais uma vez!
Boa semana.
Beijo.
gostei de ler.
ResponderEliminarabraço.
Gostei da cumplicidade. Bonito texto!
ResponderEliminarObrigada pela visita
Um abraço
em azul
rendo.me
ResponderEliminarincondicional
mente
e quando me convidarem para assumir uma "pasta" ( de preferência mochila ) posso vir bater.te à porta ,caçador de relâmpagos?
.
um beijo
Daqui a muitos anos, escreverás, era uma vez um caçador de relâmpagos e eu voltarei a ler-te com o mesmo sorriso e com o mesmo prazer.
ResponderEliminarUma boa semana, beijos
Soberbo!!
ResponderEliminar...com os tempos que correm sempre é melhor ficar-se pela cultura dos galinheiros. :)
um beijo terno.
Os relâmpagos lá vão iluminando os caminhos do teu labirinto pessoal!
ResponderEliminarFica a certeza de que, por cada folha caída, há duas que levantam voo...
de rompante. apanho o fulgor deste texto.
ResponderEliminarrelâmpago sim mas dos que iluminam para sempre. e para sempre o meu abraço.
(piano)
irresistível
ResponderEliminara necessidade de reLER.te
.
um beijo
Gostei bastante do texto.
ResponderEliminarBem construído, muito bem repartido por cada capítulo, sobretudo muito equilibrado.
Aceita o convite e espreita
http://oguizoeogato.blogspot.com
Um abraço
luminosas palavras. prenhes de ternura. serena.
ResponderEliminar... e inquietação. contida.
(e ironia sensivel)
abraço
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ResponderEliminarA sensação que eu tive, foi de que você, foi colocando os pensamentos em forma de palavras,espontaneamente, sem se importar muito com a forma...
Gostei! Gostei muito... Você escreve bem!
Beijos de luz e o meu carinho...
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Mundo Azul
ResponderEliminartal e qual mas com alguma
transpiração
Olá, Mar Arável...
ResponderEliminarA partir da leitura do seu texto só lhe posso dizer que o que vem de si chega em mim, vai e volta a si, por que o irmão não é egoísta, cultiva o nosso jardim, pensa no mundo daqui, no outro, não sei, nem tampouco eu o sei porque sim. Quanto a mim, navego em mares de águas, estagnadas, às vezes, calmas, às vezes, conturbadas, sujeito a vendavais e torvelinhos tamanhos e tais, mas sempre chego a um porto, um litoral, um cais, só, acompanhada, para o melhor ou o pior, apreciando e aproveitando e colhendo a beleza que nos oferece este mundo profundo, sujo, artificial, ainda assim, profundo, pois o timoneiro do meu barco, por vezes sou eu ou não, por que, por vezes, tenho de lhe fazer as vezes de Capitão.
Bem vindo aos Meus:
EU E DAÍ
SÉTIMA ARTE
e
sobretudo
para
o
irmão
POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA.
Meus cumprimentos,
Renata Maria Parreira Cordeiro
Bom dia, Mar Arável!
ResponderEliminarPresentinho meu que vai de mim para ti e de ti para mim.
"Hoje, São Paulo amanheceu chuvoso... a visibilidade é reduzida e quando o dia começa assim, quase ... mas quase que me deixo levar pela cor dele.Mas, ainda bem que foi quase! Olho para fora, e apesar de estar cinza, escolho a luz dentro de mim.Escolho abraçar o dia, porque a vida é algo de bom para ser vivido.Cada dia é um bom dia para viver.E na vida, haveremos de ter dias melhores e outros, não tão bons.Uns dias serão como um passeio por um belo jardim.Outros serão como desertos áridos ou dias de nevoeiro. Por vezes, atravessaremos vales lindos; por outras, subiremos montanhas cheias de pedras e cascalhos.Mas duma coisa, tenho, de certeza: independentemente da paisagem que atravessamos, das escaladas que temos de fazer, cada ser humano tem uma força incrível para resistir e vencer cada uma delas.O problema é que nem todos reconhecem essa capacidade dentro de si.Mas ela está lá. Dentro de cada um.Eu a tenho.Tu também a tens! E nós a temos e a guardamos no coração! Paz."
Abraços meus, do outro lado, aqui bem pertinho!
Renata
Para mim
ResponderEliminaro que fica dos relâmpagos
é a luz
Beijinho ...
Prosa?...Talvez.
ResponderEliminar:)Beijinho*
Belíssima prosa poética!!!
ResponderEliminarParabéns.
Este texto tão poético "perturbou-me"...
ResponderEliminarAh, esse diálogo é dos bons...Mar vc sempre inspirada.
ResponderEliminar... à caça de caça o caçador de relâmpagos caçou uma ministra para os seus galinheiros.
ResponderEliminarCuida-te, primeiro-ministro-sem-maioria: estás a seguir.
Texto: cinco estrelas em noite de temporal desfeito.
Junto com os relâmpagos talvez se possam caçar os sonhos!
ResponderEliminarGosto...quando escreves prosa!
Beijo
Vim reler... e deixar um beijo para o teu fim de semana.
ResponderEliminarCaçador de Sonhos, de Relâmpagos, de Poesia, Caçador de sentidos nossos, presos neste texto.
ResponderEliminarDeixo um convite:
http://um-cha-no-deserto.blogspot.com/2009/10/convite.html
Interessante, eu entrei nessa texto como se fosse uma pedra esquecida na eira...
ResponderEliminarLi, senti, vivi...só os bons textos produzem esse «milagre».
Manuela
Um belo texto onde podemos ver os relâmpagos a riscarem o céu...
ResponderEliminar"Pensei ocultar os teus olhos nos meus só para te olhar mais de perto. Recordas-te?"
Com poderia esquecer?
Um abraço
Vim reler o homem/poeta a quem aprendi a conhecer através das suas obras ( efectuadas e escritas).
ResponderEliminarBom final de semana.
Beijos.
Somos galinheiro, espero que a parte do caçador de relâmpagos seja verdade.
ResponderEliminarAinda não perdi o encantamento de te ler...
ResponderEliminarUm abraço bem grande.
Um texto para pensar e reflectir...com calma...
ResponderEliminarGostei.
Abraço