quarta-feira, 5 de agosto de 2009

QUE FARÁS DE TI ?

claude monet
Ainda não estávamos no tempo das vindimas, nem da fuga das andorinhas. Estávamos a regar uvas de mesa para te oferecer numa bandeja de lua cheia - mas tu estavas no paraíso dos silêncios a aprender, a prender ou a soltar amarras de barcos, a voar com o próprio voo ou a cortar asas aos pássaros, sem teres espreitado o belo precipício das lindas tempestades - onde só cantam livres alguns fios de música quando lhes morde a voz.
As uvas estavam verdes, o tempo incerto e o chão íngreme já te desafiava em revérberos num turvelinho de rotas.
Quando vencemos o teu cordão umbilical, despertámos para uma certa revolução de estrêlas e ninguém sabia o que era uma revolução de estrêlas. Talvez um dia saibas que as estrêlas podem brilhar no chão que pisamos, conforme as marés - que todas nascem, crescem e regressam como pêndulos a outras florações.
A lua não estava cheia, as uvas estavam verdes, as andorinhas só regressavam à noite e tu deste um grito que estilhaçou todos os silêncios.
Não foste um silvo de barco, nem um mar a rasgar escarpas, nem sequer o delicioso florir de uma araucária. Foste tu e já é tanto.

E agora? Que farás para a água te lavar os pés? Que farás para o mar não te abandonar? Que farás para te conquistares? Que farás para as uvas amadurecerem e as andorinhas regressarem?

Que farás de ti, pelas outras estrêlas.


24 comentários:

  1. "Foste tu e já é tanto." Um texto que ressuma poesia em cada palavra.

    Um beijo meu.

    ResponderEliminar
  2. O que eu faria?
    Talvez lavar os pés com as próprias lágrimas. Fazer da areia do mar que restou o manto que aquece minhas noites. Fazer das noites, sonhos onde as andorinhas voltem.E as uvas... sempre iria lembrar das uvas...

    bjs

    ResponderEliminar
  3. Belíssimo!
    Quem escreve assim?!
    Abraço daqui

    ResponderEliminar
  4. ... que farás?..que farás?..que farás?..

    ... amar!. amar!.. amar!..

    fertilizante da VIDA !!!

    Ab.- EL.-

    ResponderEliminar
  5. Sem palavras para comentar tanta beleza...
    Sentidamente, presente!
    :))

    ResponderEliminar
  6. Agora,todos os caminhos estão aberto e todas as esperanças são possíveis...
    Belíssimo!

    ResponderEliminar
  7. Texto poético em que o bucolismo se une à incógnita paisagem do futuro! Sentido!

    ... pelo olhar amistoso em 'fragmentos', sensibilizada!

    ResponderEliminar
  8. E agora? Agora não farei nada, deixarei voar as andorinhas e verei partir os barcos, caminharei descalça sobre o chão íngreme que então pisámos e deixarei que as minhas lágrimas se fundam com o brilho das estrelas e formem um arco-íris que iluminará o teu caminho até mim...
    Eu, apenas vou ficar aqui... esperando!!

    ResponderEliminar
  9. da "misterieza" sábia de saber contar o que fica debaixo do céu.




    tão bom...mas tão bom de ler/sentir.


    obrigada meu Amigo.


    beijos.

    ResponderEliminar
  10. pois
    .
    .
    .

    e hoje está uma lua cheia
    a bandeja para uma tempestade de estrelas?!

    beijo Eufrázio

    ResponderEliminar
  11. Texto surpreendente.
    De uma beleza e sabedoria da vida avassaladoras.
    Haverá efectivamente um tempo certo para tudo ?
    - Para que a lua seja cheia...
    - Para que regressem as andorinhas...
    - Para que as uvas amadureçam...
    Eu não sei se há um tempo certo.
    Mas sei que esse tempo e o tempo de SER podem não coincidir.
    Para AMAR e para SER o que se tem que SER o tempo é todo o tempo deste mundo, pelo menos.

    ResponderEliminar
  12. fácil, muito fácil quando na pena escorre a poesia.

    ResponderEliminar
  13. Que farei eu dos barcos que acordei,
    eu que não guardei qualquer carta,
    por saber, que nenhuma rota se pode repetir?

    Gostei muito.

    Beijos, bom fim de semana.

    ResponderEliminar
  14. Gostei de passar por aqui.
    Gostei da poesia dentro da prosa, das palavras soltas onde não escreveu e do fio condutor de tudo isso com as imagens com que trocam subtilezas e confidências....

    ResponderEliminar
  15. Poema de reminiscências sublimadas?
    Saudades doendo, como mel?
    Cântico a uma ausência?

    Quanto tempo falta para voltarmos ao princípio?

    Um abraço, irmão.

    ResponderEliminar
  16. Que faremos de nós?...
    Que deixarão que façamos de nós, meu querido amigo?
    Desculpa a extrapolação do texto , que muito me agradou.

    Boa semana.

    ResponderEliminar
  17. Todo o tempo para nos fazermos...na verdade!

    Excelencia o texto!

    Beijos

    ResponderEliminar
  18. Nada mau para quem não é dado a grandes comoções... sublime composição de palavras e... emoções! Como é possível que ambas cheguem para tanto? É maravilhoso o que nos fazem sentir...
    Abraço

    ResponderEliminar
  19. Eufrázio,

    tão _______ BELO _____ .

    li e rolou uma lagramita :)

    um abraço e o meu sorriso :)
    mariam


    ah! e que achou das 'vertentes/ aprendizagem' mostradas??!!

    ResponderEliminar