domingo, 12 de outubro de 2008
OS CÃES NÃO DORMEM
- Sempre que há lua cheia algo acontece de inesperado.
- Não esqueça a influência das marés.
Na sala os cães dormiam ou fingiam dormir, mesmo em frente à generosa lareira.
Sentados no sofá respirávamos os sons de "Alexander Soundtrack" por "Vangelis" nas oito colunas, e afagávamos os cabelos um do outro.
- Hoje vou contar-lhe uma história que ouvi no intervalo de um conselho de ministros.
- Só um momento.
Levantei-me. Coloquei mais uma acha na lareira, passei as mãos no pêlo dos cães, desliguei a aparelhagem, regressei ao sofá. Aconchegámo-nos.
- Estou pronto. Avance.
- Era uma vez um Don Godofredo, ilustre senhor de pendão e caldeira, fidalgo de puro sangue, grandessíssimo cavaleiro que se iniciou na arte de bem cavalgar, mal deu os primeiros passos.
Tinha cinco aninhos piratas e já treinava em cavalos de papelão.
Quando ia ao sr. Hipólito tirar o retrato de família, assentava as patinhas com esporas agrestes, nas ancas do brinquedo e lesto num pulinho gracioso e valente - montava o animal, sem lhe tocar com os cascos. Um artista.
- Não está a ser severa com a criança?
- Só que a criança cresceu. Posso continuar?
- Avance.
- Num certo dia de cavalhadas no castelo, o papá banqueiro que negociava com os índios, quiz fazer uma experiência com o puto.
- Índios?
- Não interessa. Posso continuar?
- Avance.
- Meu filho - quero fazer de ti um homem à altura dos nossos pergaminhos. O papá investe e tu toureias. Teremos o país nas mãos.
Volvidos tempos, o banqueiro - após tantas touradas, comprou um cavalo e um toiro a sério, investiu com gana e fez do filho um homem.
Don Godofredo, menino prodígio, tornou-se profissional e nunca mais quiz outra vida - tão bem se sentia na grande farra. Tinha dinheiro, vinho verde e mulheres de raça. Passou a frequentar com assiduidade as ganadarias, as adegas, o meio social. Visitou amigos e os cavalos dos amigos.De quando em vez dava espectáculo na assembleia popular do Campo Pequeno, já muito acanhado para a sua estatura.
O banqueiro começou a sentir-se ameaçado no seu orgulho de fidalgo e comendador. Decidiu meter-se uma vez mais, em altas cavalarias, com toda a raça. Deu um coice e disse.
- Isto não pode continuar assim. O Godofredo está a ir longe demais. Estou farto. Antes a palha ao pequeno almoço.
Entretanto Godofredo que já não habitava o castelo, apercebendo-se das intenções do progenitor, convidou-o para jantar no Jardim Zoológico.
- Foi então que interromperam a história para regressarmos ao conselho de ministros.
Na sala a generosa lareira reacendeu-se com o ladrar dos cães - que fingiam dormir.
Há personagens que metem nojo aos cães.
ResponderEliminarnão dormem....
ResponderEliminarrosnam-se(nos)nos meandros da vastíssima incompetência....sempre esfomeada.
(metáfora para a noite).
beijo.
expressiva
ResponderEliminarJokas
Paula
Eufrázio,
ResponderEliminareste diálogo é terrível... Godofredo! dei por mim a pensar que afinal, andam aí n Godofredos, e cães (desses) também!!!!!
boa semana
um grande sorriso :)
mariam
(está a escrever um livro?!/é de algum livro seu?!)
A sabedoria dos animais: muitas vezes mais entendidos que os homens.
ResponderEliminarVotos de uma boa semana! :)
Os cães estão atentos. Às touradas e aos banqueiros. Ou será o contrário?
ResponderEliminarUma história (quase) de terror. **
os cães ás vezes dormem , os lobos não
ResponderEliminarSaudações amigas e boa semana
"os cães não dormem"
ResponderEliminare há um movimento de marés
e
uma lua cheia
que regressa envergonhada
________encolhida
ao frio glaciar de todas as intenções.
maré
Excelente metáfora.
ResponderEliminarUm abraço.
bom.. parabens pela ideia e pela forma de tratamento literário, que foi conseguido na intenção com a ironia bem calibrada...
ResponderEliminarDura realidade amigo!!!
ResponderEliminarO fogo reacende, sempre que a hipocrisia impera!
Um beijo
Ausenda
De mestre!
ResponderEliminarUm abraço.
Caro Eufrázio,
ResponderEliminarEntre a metáfora e o surreal está simplesmente... espectacular!...
Um abraço,
Alvarez
Gosto de narradores omnipresentes e omniscientes.
ResponderEliminar:)
os cães são lobos de fim de dia.
ResponderEliminarbeijo
os cães ladraram por falta de osso. está bom de ver...
ResponderEliminargostei desta história de vampiros. ou toureiros. ou banqueiros. ou empreteiros. que importa?
andam por aí. á solta. estão no CM (ou estiveram rss).
abraço
abraços
ResponderEliminarMinistros, secretários, assessores
ResponderEliminarbancos, cavalos, doutores
leis e indultos
reverências e insultos
não admira que os cães se rissem: a história é repetível até à exaustão!
quantos godofredos andam por aí. e os cães estão sempre atentos
ResponderEliminarA vida tem destas coisas, vá-se lá saber... o cavalo, o animal nobre e inteligente, a ser montado por um Dom Godofredo...
ResponderEliminarSe este assim o permite conquanto os outros tão mais simples...não são momtados e espezinhados...
Bj.
de metáfora em metáfora vão os Godofredos engordando
ResponderEliminare nós .... emagrecendo
ah ,se os cães ladrassem!!!!!!!!!!
.
um beijo
Adorei esta forma elegante de amarfanhar os Godofredos. Muitíssimo bem escrito.
ResponderEliminar:)
ResponderEliminarPois não dormem!
(e alguns devem sentir um certo enjoo com os humanos que lhes calhou ter por companhia: esses ainda dormirão menos, não vá ser preciso avisar alguma caravana!)
(Eu gosto de cães! prefiro ali aquela ideia deles a avisarem que a ladrarem à caravana e, neste enquadramento narrativo, bem posso alterar esta outra "história" e mudar a raça aos que à caravana ladravam/am...) ;)
Bom mas o que aqui me salta logo aos olhitos é outra curiosidade: em vez da frase feita "zangam-se as comadres..." podia bem começar a pensar-se "fartam-se os papás, torcem-se num riso vesgo os meninos"... é que esta terra (qual? tantas...) anda cheiinha destas pandilhas... ... ...
Mas que bem assenta este nome Godofredo!
por outro lado,
verdade se diga,
também há sempre "cães" que nem merecem o nome e que mostram dentes, afiadinhos, assim que o calor das braseiras antigas lhes falta com o vigor passado.
Há.
Há de tudo, sim.