- Por aqui?
- Sim senhora ministra.
- Não brinque. Sabe que fui remodelada.
O hotel não tinha muitas estrelas, mas permitia alojamentos para cães e estava como eu gosto, debruçado sobre o oceano,
encavalitado numa rocha colossal. Um verdadeiro atentado.
- Aqui não tenho problemas por uns dias.
- Eu já conhecia este espaço. Como preciso do mar desgrenhado, de preferência com temporal e muitos relâmpagos, por cá estive um inverno.
- Interessante, eu gosto deste sítio quando o mar parece sopa.
- O Dique o que mais aprecia neste hotel é o elevador.
- Curioso, a Lassie também.
O hotel – talvez por se localizar num espaço ermo e caro, obedecia a todas as regras de segurança. Na verdade até o magnífico elevador tinha um vigilante em cada apeadeiro.
No r/c situavam-se os alojamentos para os animais. Os andares estavam reservados para os donos. Encrostadas na rocha espelhavam as piscinas de água salgada que o Dique nunca utilizou por ser um Serra da Estrela.
- Admito que a senhora ministra adore animais.
- Por favor, trate-me por tu.
- Com certeza.
- Após a minha remodelação, vivo com a Lassie. É a minha confidente.
De facto a cadela, um belo exemplar, exibia dois explícitos olhos meigos, pêlo farto aloirado, uma madeixa branca no focinho, ancas bem desenhadas, tetinas hirtas, cauda proeminente enrolada. Uma senhora.
O Dique não dizia nada, mas só um cego não via o carinho com que a coçava nas orelhas e lhe lambia os olhos.
- Dique – deixa a Lassie.
- Por favor não reprima os animais.
Estávamos no bar da piscina. O calor apertava e o mar parecia sopa. Chamei o empregado.
- Para mim um Kutty Sark, para o Dique uma água das pedras.
- Para mim um rosé gelado, para a Lassie uma Coca-Cola.
O hotel – por estranho que pareça, facultava na mudança de turno dos vigilantes, uma oportunidade para os cães subirem e descerem no elevador. O Dique desde a primeira vez, adorava estas viagens e foi a pensar nele que sugeri para o turno da meia-noite uma viagem com o Dique e a Lassie.
- Por mim tudo bem.
Assim aconteceu. A senhora, no último andar, carregava no botão e o elevador subia. Eu no r/c carregava no botão e o elevador descia.
Esgotado o tempo e a paciência, regressámos aos aposentos. Os cães – cada um para os seus. Eu – convidado, fiquei no último andar.
Uma suite espectacular, ampla, arejada, bem decorada, com tudo o que não fazia falta, excepto o espelho que forrava o teto, mesmo por cima da cama. Coisa linda.
- Considere que apesar de tudo ainda sou uma figura pública.
- Conhece o "jardineiro do convento", De Giovanni Boccaccio?
- Sim – era um surdo-mudo, mas não de nascença.
Ali ficámos a ouvir a ondulação do mar, até adormecermos no espelho.
No dia seguinte, regressado à preia-mar, ainda a madrugar na lua-cheia, trazia um sinal de outras marés, de outros ventos, quando alarmada mas feliz, a correr para mim, a senhora ministra.
- Tenho uma grande novidade.
- O governo demitiu-se?
- Não, a Lassie está grávida.
- Não me diga.
- Eu conheço a minha cadela.
- Foi no elevador.