Estava o magnifico galinheiro reunido nos poleiros tradicionais -
dramaticamente com poderes absolutos - flamejante e tartufo na discussão de mais um esquelético e estrábico orçamento restritivo
para a comunidade carenciada,quando aflorámos uma ideia antiga
e muito familiar do nosso quotidiano comum.
Como colocar um pauzinho nesta engrenagem?
Na verdade - apesar de tanto cacarejar aveludado,tinhamos quase afónico - um galo espartano - a chefiar uma tribo de 12 poedeiras
sequestradas.
Não foi por ser afónico,mas pelos seus tiques espartanos que sentimos
a necessidade de um tenor menos austero,para dar outra cor à vida
em comunidade.
Na verdade - uma coisa é ser chefe,outra é ser lider.Uma coisa é ser
empresário,outra é ser patrão,trabalhador ou empregado.
Entretanto o tempo passava inexorável e ninguém sugeria um Pavaroti
credível,democrático,sensível aos que mais penam - um tenor que desse a volta ao orçamento restritivo.
Viajámos um dia para o monte Barranco do Bebedouro e foi ali,
na delícia de uns pèzinhos de coentrada,que aconteceu uma conversa
interessante àcerca da arte de colocar pauzinhos nas engrenagens.
O amigo Anastácio que há muitos anos faz milagres de artesão com
o seu canivete de lâmina finíssima,levantou-se e disse com voz embargada
- Para o caso vertente,vou oferecer-vos um casal de pombos alentejanos da minha confiança.
Numa caixa de papelão,com respiradouros ternamente executados,
o amigo Anastácio ofereceu-nos a solução e todos ftcámos mudos e agradecidos.Assim - sem mais palavras.
Um casal de pombos.O Campaniço e a Soalheira.
A fêmea,plumagem cor da hulha.O macho,branco como a cal.
Lindos.Ela - olhos verdes alface,muito vivos,pernas esguias mas torneadas,rabo espetado,pescoço esbelto,ex-modelo em concursos
columbófilos.Ele - porte atlético,campeão de maratonas,de poucas
falas,tipo engenheiro nos excedentários da função pública.
Os novos residentes,oriundos de uma família numerosa,humilde e trabalhadora,foram instalados no magnífico galinheiro,pela calada
da noite,por uma questão de bom senso.
Tinham que adaptar-se e reagir à crise nacional do tempo que faz-
considerar o período da caça com os homens à solta - ao galo espartano
e até às poedeiras iludidas de quando em vez a chocarem ovos supostamente galados.
Ao raiar da aurora,verificámos que à mínima distração o galo malhava nos pombos que se levantavam do chão e cantavam,cantavam,
- cantavam hinos populares,criatividades amorosas.
O galo afónico e arrogante no preciso momento em que os pombos estavam a arrulhar - inesperadamente - libertou pela primeira vez na sua vida - um dó sustenido quase perfeito,e eu gritei
- Finalmente o galo cantou.
Retificámos imediatamente o orçamento restritivo.
Soltámos os pombos e as poedeiras.
O galo ficou a cantar sózinho.
15 comentários:
Esta é a verdadeira estória do galo de Barcelos
a malta da capoeira cacareja, cacareja e,
tem-se posto a milhas daqui pra fora
à procura de milho
noutras paragens
delicioso.
A globalização está a fomentar uma nova era de nómadas.
Assistimos a um turbilhão emigratório como numca se viu antes. A exploração capitalista generalizou-se, e os homens desistiram de lutar-preferem emigrar.
Mais tarde ou, mais cedo acabaram por chegar á conclusão que:-tanto faz! Os exploradores estão em toda a parte.
Então terá inicio a verdadeira REVOLUÇÂO...GLOBAL. Até lá
José Manangão
Excelente...
... e tão aplicável...
Apetece perguntar se ficou ainda muito tempo a cantar sozinho....
Um abraço
o que é que o Ramalho diria: "quem não não tem galo caça com pombo?!"...
ou que o "galinheiro é como um catavento - ao primeiro pombo muda de poiso"?!...
abraços
:) subscrevo a Blue.
Obrigada pela visita.
Boa semana.
Um dó sustenido? :)
Isso foi só uma experiência do galo...
Ele queria era fazer um Sol, Si, Dó, Dó#, Ré ... Dó, Mi, Fá, Fa#, Sol... Devia estar a preparar o Chico-Fininho ;)
Um dia destes ainda apanham o galo a experimentar umas pentatónicas
Pois... os pauzinhos na engrenagem!
Bem precisos são qu'isto dos orçamentos restritivos está a ser demasiado restritivo para tão pouco orçamento.
E não conhecia esta do casalinho de pombos na capoeira. Está bem achada, sim senhor. Parabéns.
Conhecia era a outra, a do galito da Índia que veio para cumprir as obrigações de que os galos afónicos (ou outra coisa) estavam tão esquecidos que nunca mais, é que nunca mais...
E sabes o final?
"Deixa-os pousar, deixa-os pousar!", sussurrava o galito...
Um grande abraço (e para o ilustre ilustrador, também)
Vejamos se o galo cantará mais vezes, e se afinado, rouco ou afónico...
XATOO - com o devido respeito pelo Bordalo e a minha estima pelos seus textos
BLUE - apareça mais vezes é um prazer recebê-la e visitá-la
JOSÉ MANANGÃO - temos que aprender com os ciganos.Volte sempre mesmo aparentemente anónimo
MARIA - depende também de nós na forma e no conteúdo
HERÉTICO - o Ramalho diria que o poder absoluto corrompe a poesia
abraço
TERESAMAREMAR - apareça sempre que lhe apeteça desaguar
JNAVARRO - com um galo destes tudo é possível - até a "fuga"
SÉRGIO RIBEIRO - o abraço fraterno de sempre
SOFIA LOUREIRO DOS SANTOS - não
há galos irrecuperáveis a questão é
saber se vale a pena
Depois desta ausência... foi bom ler este texto!
Abraço da
Maria Valadas
...e se quiser continuar a ser o dono dos ovos, vai ter que ser ele a pô-los.
Um texto muito bem apanhado, sim
senhor!
Um resto de boa semana.
sobre estas "águas"...
a ler.
e a gostar. muito. como não?
Subscrevo a interrogação da "maria":
Apetece perguntar se ficou ainda muito tempo a cantar sozinho....
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