segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O MAGNIFICO GALINHEIRO

desenho de Mário Filipe



Estava o magnifico galinheiro reunido nos poleiros tradicionais -

dramaticamente com poderes absolutos - flamejante e tartufo na discussão de mais um esquelético e estrábico orçamento restritivo

para a comunidade carenciada,quando aflorámos uma ideia antiga

e muito familiar do nosso quotidiano comum.


Como colocar um pauzinho nesta engrenagem?


Na verdade - apesar de tanto cacarejar aveludado,tinhamos quase afónico - um galo espartano - a chefiar uma tribo de 12 poedeiras

sequestradas.

Não foi por ser afónico,mas pelos seus tiques espartanos que sentimos

a necessidade de um tenor menos austero,para dar outra cor à vida

em comunidade.

Na verdade - uma coisa é ser chefe,outra é ser lider.Uma coisa é ser

empresário,outra é ser patrão,trabalhador ou empregado.

Entretanto o tempo passava inexorável e ninguém sugeria um Pavaroti

credível,democrático,sensível aos que mais penam - um tenor que desse a volta ao orçamento restritivo.


Viajámos um dia para o monte Barranco do Bebedouro e foi ali,

na delícia de uns pèzinhos de coentrada,que aconteceu uma conversa

interessante àcerca da arte de colocar pauzinhos nas engrenagens.

O amigo Anastácio que há muitos anos faz milagres de artesão com

o seu canivete de lâmina finíssima,levantou-se e disse com voz embargada

- Para o caso vertente,vou oferecer-vos um casal de pombos alentejanos da minha confiança.

Numa caixa de papelão,com respiradouros ternamente executados,

o amigo Anastácio ofereceu-nos a solução e todos ftcámos mudos e agradecidos.Assim - sem mais palavras.

Um casal de pombos.O Campaniço e a Soalheira.

A fêmea,plumagem cor da hulha.O macho,branco como a cal.

Lindos.Ela - olhos verdes alface,muito vivos,pernas esguias mas torneadas,rabo espetado,pescoço esbelto,ex-modelo em concursos

columbófilos.Ele - porte atlético,campeão de maratonas,de poucas

falas,tipo engenheiro nos excedentários da função pública.


Os novos residentes,oriundos de uma família numerosa,humilde e trabalhadora,foram instalados no magnífico galinheiro,pela calada

da noite,por uma questão de bom senso.

Tinham que adaptar-se e reagir à crise nacional do tempo que faz-

considerar o período da caça com os homens à solta - ao galo espartano

e até às poedeiras iludidas de quando em vez a chocarem ovos supostamente galados.


Ao raiar da aurora,verificámos que à mínima distração o galo malhava nos pombos que se levantavam do chão e cantavam,cantavam,

- cantavam hinos populares,criatividades amorosas.


O galo afónico e arrogante no preciso momento em que os pombos estavam a arrulhar - inesperadamente - libertou pela primeira vez na sua vida - um dó sustenido quase perfeito,e eu gritei

- Finalmente o galo cantou.


Retificámos imediatamente o orçamento restritivo.

Soltámos os pombos e as poedeiras.


O galo ficou a cantar sózinho.




15 comentários:

  1. Esta é a verdadeira estória do galo de Barcelos
    a malta da capoeira cacareja, cacareja e,
    tem-se posto a milhas daqui pra fora
    à procura de milho
    noutras paragens

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  2. A globalização está a fomentar uma nova era de nómadas.
    Assistimos a um turbilhão emigratório como numca se viu antes. A exploração capitalista generalizou-se, e os homens desistiram de lutar-preferem emigrar.
    Mais tarde ou, mais cedo acabaram por chegar á conclusão que:-tanto faz! Os exploradores estão em toda a parte.
    Então terá inicio a verdadeira REVOLUÇÂO...GLOBAL. Até lá
    José Manangão

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  3. Excelente...
    ... e tão aplicável...
    Apetece perguntar se ficou ainda muito tempo a cantar sozinho....

    Um abraço

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  4. o que é que o Ramalho diria: "quem não não tem galo caça com pombo?!"...

    ou que o "galinheiro é como um catavento - ao primeiro pombo muda de poiso"?!...

    abraços

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  5. :) subscrevo a Blue.

    Obrigada pela visita.

    Boa semana.

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  6. Um dó sustenido? :)

    Isso foi só uma experiência do galo...

    Ele queria era fazer um Sol, Si, Dó, Dó#, Ré ... Dó, Mi, Fá, Fa#, Sol... Devia estar a preparar o Chico-Fininho ;)

    Um dia destes ainda apanham o galo a experimentar umas pentatónicas

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  7. Pois... os pauzinhos na engrenagem!
    Bem precisos são qu'isto dos orçamentos restritivos está a ser demasiado restritivo para tão pouco orçamento.
    E não conhecia esta do casalinho de pombos na capoeira. Está bem achada, sim senhor. Parabéns.
    Conhecia era a outra, a do galito da Índia que veio para cumprir as obrigações de que os galos afónicos (ou outra coisa) estavam tão esquecidos que nunca mais, é que nunca mais...
    E sabes o final?
    "Deixa-os pousar, deixa-os pousar!", sussurrava o galito...

    Um grande abraço (e para o ilustre ilustrador, também)

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  8. Vejamos se o galo cantará mais vezes, e se afinado, rouco ou afónico...

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  9. XATOO - com o devido respeito pelo Bordalo e a minha estima pelos seus textos

    BLUE - apareça mais vezes é um prazer recebê-la e visitá-la

    JOSÉ MANANGÃO - temos que aprender com os ciganos.Volte sempre mesmo aparentemente anónimo

    MARIA - depende também de nós na forma e no conteúdo

    HERÉTICO - o Ramalho diria que o poder absoluto corrompe a poesia
    abraço

    TERESAMAREMAR - apareça sempre que lhe apeteça desaguar

    JNAVARRO - com um galo destes tudo é possível - até a "fuga"

    SÉRGIO RIBEIRO - o abraço fraterno de sempre

    SOFIA LOUREIRO DOS SANTOS - não
    há galos irrecuperáveis a questão é
    saber se vale a pena

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  10. Depois desta ausência... foi bom ler este texto!
    Abraço da

    Maria Valadas

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  11. ...e se quiser continuar a ser o dono dos ovos, vai ter que ser ele a pô-los.

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  12. Um texto muito bem apanhado, sim
    senhor!
    Um resto de boa semana.

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  13. sobre estas "águas"...


    a ler.


    e a gostar. muito. como não?

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  14. Subscrevo a interrogação da "maria":
    Apetece perguntar se ficou ainda muito tempo a cantar sozinho....

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