desenho de Mário Filipe
Hoje acordei ainda os barcos estavam de ramelas e lavagem de porões -numa ilha quase imaginária.
Com os restos sonâmbulos de um sonho acordado,surpreendi-me
com um pensamento -
Hoje não quero salvar o mundo,só ajudar.
Na verdade é necessário coragem para renovar,sem perder o traço
fundamental do legado histórico e afetivo.As memórias de hoje foram
inovações no passado e a vida em sociedade é também este ritmo natural
e incontornável de estarmos no nosso tempo - por vezes contra o nosso
tempo - sem fossilizar nem castrar os sonhos.
Hoje acordei assim - a sorver o ar fresco da manhã.Acordei lentamente por entre neblinas atlânticas,a partilhar o voo assimétrico
mas equilibrado de um açor,quando inesperadamente fui invadido por
um silvo estridente,quase um choro de criança - uma farpa nos tímpanos.Era o meu telemóvel de primeira geração.
Atendi - não fosse uma ordem para evacuação do hotel - um eminente despertar vulcânico,uma revolta da direita autonómica,o reinício
da caça às baleias.
Atendi e reconheci de imediato - a minha gata.
Tenho algures uma amiga que nunca vi e me telefona ciclicamente.
Sensual,com dicção perfeita,lê-me sempre o mesmo poema -
Se tivéssemos um barco/ai se tivéssemos um barco/tinhamos o mundo/e seria inútil.
Esta minha amiga não dizia mais nada mas terminava sempre
com um inigmático - miau.
A vida não é fácil,mas com paciência,generosidade e algum prazer pessoal,tenho contribuido para esta ladaínha.
Uma vez mais o silvo do telemóvel.O cumprimento do mesmo ritual.
De facto - a voz terna e meiga da gata,clarinha como a água,
aparentava um animal de fino porte,pêlo fofo,olhos de esmeralda,
pernas cheias,busto virtuoso,anti-fascista e sensível às noites de jaze.
Deste modo vivi este monólogo erótico que me transportou - não sei
porquê - para uma cena metafísica.
Num vagaroso instante,abandonei a ideia do telefonema ser da minha amiga e fui assolado por uma outra possibilidade ,talvez mais hilariante.
Teria a galega - madre Inês - perscrutado a espuma dos tempos,
quando desviou a imagem do "senhor santo cristo" de um lugar ermo
da ilha para Ponta Delgada,assim menos exposta aos apetites liberais dos piratas da época?
Uma coisa é certa - a escultura do "santo" é uma rica peça de arte,
um prodígio encrostado de preciosidades e sacrifícios humanos.
Transfigurada por vontades pagãs,prespassou para um destino sublimado de fé e turismo religioso - e eu,vulgo mortal,de telemóvel
no ouvido,coçando a barba,fixei-me uma vez mais no voo assimétrico
mas equilibrado do açor - que me confidenciou -
Agnóstico,também eu me sinto profanado.
Entretanto os barcos permaneciam ancorados.
O s pássaros,as aves marinhas,eu mesmo -"levantados do chão"
já ousávamos viajar mar adentro.
Mais tarde - um pouco mais tarde - um novo silvo - a terminar
como sempre
MIAU
Entendi responder pela primeira vez.
ÃO - ÃO
E assim ficámos - esclarecidos - para toda a vida.
Hoje acordei ainda os barcos estavam de ramelas e lavagem de porões -numa ilha quase imaginária.
Com os restos sonâmbulos de um sonho acordado,surpreendi-me
com um pensamento -
Hoje não quero salvar o mundo,só ajudar.
Na verdade é necessário coragem para renovar,sem perder o traço
fundamental do legado histórico e afetivo.As memórias de hoje foram
inovações no passado e a vida em sociedade é também este ritmo natural
e incontornável de estarmos no nosso tempo - por vezes contra o nosso
tempo - sem fossilizar nem castrar os sonhos.
Hoje acordei assim - a sorver o ar fresco da manhã.Acordei lentamente por entre neblinas atlânticas,a partilhar o voo assimétrico
mas equilibrado de um açor,quando inesperadamente fui invadido por
um silvo estridente,quase um choro de criança - uma farpa nos tímpanos.Era o meu telemóvel de primeira geração.
Atendi - não fosse uma ordem para evacuação do hotel - um eminente despertar vulcânico,uma revolta da direita autonómica,o reinício
da caça às baleias.
Atendi e reconheci de imediato - a minha gata.
Tenho algures uma amiga que nunca vi e me telefona ciclicamente.
Sensual,com dicção perfeita,lê-me sempre o mesmo poema -
Se tivéssemos um barco/ai se tivéssemos um barco/tinhamos o mundo/e seria inútil.
Esta minha amiga não dizia mais nada mas terminava sempre
com um inigmático - miau.
A vida não é fácil,mas com paciência,generosidade e algum prazer pessoal,tenho contribuido para esta ladaínha.
Uma vez mais o silvo do telemóvel.O cumprimento do mesmo ritual.
De facto - a voz terna e meiga da gata,clarinha como a água,
aparentava um animal de fino porte,pêlo fofo,olhos de esmeralda,
pernas cheias,busto virtuoso,anti-fascista e sensível às noites de jaze.
Deste modo vivi este monólogo erótico que me transportou - não sei
porquê - para uma cena metafísica.
Num vagaroso instante,abandonei a ideia do telefonema ser da minha amiga e fui assolado por uma outra possibilidade ,talvez mais hilariante.
Teria a galega - madre Inês - perscrutado a espuma dos tempos,
quando desviou a imagem do "senhor santo cristo" de um lugar ermo
da ilha para Ponta Delgada,assim menos exposta aos apetites liberais dos piratas da época?
Uma coisa é certa - a escultura do "santo" é uma rica peça de arte,
um prodígio encrostado de preciosidades e sacrifícios humanos.
Transfigurada por vontades pagãs,prespassou para um destino sublimado de fé e turismo religioso - e eu,vulgo mortal,de telemóvel
no ouvido,coçando a barba,fixei-me uma vez mais no voo assimétrico
mas equilibrado do açor - que me confidenciou -
Agnóstico,também eu me sinto profanado.
Entretanto os barcos permaneciam ancorados.
O s pássaros,as aves marinhas,eu mesmo -"levantados do chão"
já ousávamos viajar mar adentro.
Mais tarde - um pouco mais tarde - um novo silvo - a terminar
como sempre
MIAU
Entendi responder pela primeira vez.
ÃO - ÃO
E assim ficámos - esclarecidos - para toda a vida.
Talvez a gata não tenha dito tudo por não querer comprometer o remanço e a contemplação da paisagem que ela imaginava poder ser de uma reflecção no imenso oceano dos primeiros raios de sol de um novo dia que despontava
ResponderEliminarPorque se ela pudesse, diria, para além do miau, que os Serviços de Atendimento Permanente do Seixal e de Corroios foram encerrados e que todos nós estamos entregues não à bicharada, mas sim a ferozes animais predadores desprovidos de qualquer sentimento de humanidade.
Por vontade dela sairia da sua frágil garganta um imenso MIAUUUU de protesto e de indignação por constatar que o reino animal é muito mais justo porque não há pulhice mas simplesmente o instinto da sobrevivência e onde até cães e gatos conseguem compatibilizar-se por causas comuns.
Talvez na ilha imaginária possamos levantar voo como o açor e partir à descoberta da liberdade que neste recanto nos falta cada vez mais.
Um abraço,
Celino
Bom dia Mar!
ResponderEliminarDe cara lavada (estava um bocadinho ramelada, há bem pouco!...)
De cara lavada, dizia eu, vim dizer-te:
Bom dia! (sem mião!)
Adoro ler-te!
Aquele abraço de peito aberto
BIA
São momentos muito bons... Estes que passo aqui a ler- te!
ResponderEliminarO que seria que a " gata" queria dizer com o seu enigmático Miau???
E o ÃO- ÃO... Como resposta fê- la desaparecer??
Há quem não tenha medo do ÂO-ÃO!
Maria
Hoje mesmo conheci o teu espaço.
ResponderEliminarDeixei-me rir ao ler-te. Gostei!
Até à minha próxima visita!
Bom Domingo!
ResponderEliminarDeixo-te beijinhos embrulhados em abra�os!
O miado é delicioso, mas o que me ficou no ouvido foi a frase: "Hoje não quero salvar o mundo,só ajudar."
ResponderEliminarE já não é para todos....
Grande escrita
Maçã de Junho
muito bem. os Açores permitem mesmo soltar o "bom selvagem"...
ResponderEliminare não há miar de gata (virtual,helás!) que se compare ao voo de um açor...
excelente texto. abraços
os desenhos , são um espectaculo, a escrita agradavel
ResponderEliminarSaudações
mais um belo conto, com laivos surrealistas. Interessante as nunaces de cada estória que neste espaço vêm sendo publicadas. O interesse pelo próximo aumenta...
ResponderEliminarA fábula fabulosa do talento, há muito adivinhado, de quem, como La Fontaine, compartilha com os animais o sonho e a vida.
ResponderEliminarParabéns!
Boas férias.
Aguardo mais. Obrigado pela visita,volte sempre, eu vou voltar
ResponderEliminarSaudações
Levo daqui um esperguiçar de boa leitura.
ResponderEliminarPois é.
ResponderEliminarSó que, por mais miaus-miaus e ãos-áos nunca "assim ficámos - esclarecidos - para toda a vida."
Um grande abraço.
Criatividade...
ResponderEliminarSensualidade...
Prazer...
São as principais tónicas
dos seus textos poéticos que continuam a encantar quem,
ao acordar, ou em qualquer outro momento do dia
se refresca, se delicia
com a sua arte de bem escrever...
com sentido, profundidade!
E o encontro da gata com o cão?
Ah!... Vai dar texto lindo de se ler!...
Estamos todos em crer!
princesa
Mais um belo texo onde a subjectividade prevaleceentre o sonho,a realidade e a vida.
ResponderEliminarbjs Zita
fluidíssimo...:)
ResponderEliminar.voar por dentro
nas asas dum aÇor.
com um pesado santo empedrado
dependurado na consciência...
.também eu transportada prá
metafísica!!:)
beijO
As férias chegaram. Parto amanhã. Levo todos no coração. Os meus sonhos só foram possíveis porque acreditaram em mim e deixaram-me sonhar.Obrigada!
ResponderEliminarDeixo beijinhos embrulhados em abraços
Lindo!
ResponderEliminarPega o vôo do açor e entra, mar adentro....
Gostei do teu ÃO - ÃO
Boas férias.
Se tivéssemos um barco.......seria inútil" - gata que solta tal miado é bicho sábio.
ResponderEliminarSorte a tua de ter tal amiga. ;)
CELINO
ResponderEliminarNA VIDA NUNCA SE DIZ TUDO DE UMA SÓ VEZ.ABRAÇO AMIGO.
bia
DE PEITO ABERTO - BELO
maria valadas
ATÉ UM DIA NOS OLHOS
jnavarro
AGUARDO NOVA VISITA
sonhadora
ABRAÇO EMBRULHADO EM BEIJINHOS
maçã de junho
OFEREÇO-TE A MINHA MAÇÃ
herético
O BOM SELVAGEM É QUANDO UM HOMEM QUISER
cns
AGUARDO
c.valente
BOA VISITA
luis galego
A VIDA É UM ESPANTO DE LUAS CHEIAS E O SEU BLOG UM SERVIÇO PÚBLICO
sérgio ribeiro
A VIDA CONTINUA.ABRAÇO AMIGO
anónimo
RECONHEÇO-TE NO AR FRESCO DAS MANHÃS
entrelinhas
O TEXTO PRETENDE TER OS PÉS NO CHÃO
un dress
EXATAMENTE - VOAR POR DENTRO
maria
COMO SABES POR VEZES UM HOMEM LADRA AOS CÃES