Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.
- O cão ou o velho?
Lentos, trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.
O cão, mais velho que o dono, era o guia, a sua bengala de cego.
Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna abrupta sobre as águas. As aves marinhas mergulhavam a pique, esbracejavam só para os salpicar. Lá iam serenos livres sem palavras - imensos.
No ar o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de marés.
Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.
Sentados respiravam infinitos - o perfume das algas. Adormeciam de olhos abertos.
Um dia, ao longe, alguém de um barco bramou
- Fuja a duna vai desmoronar-se. A duna vai cair.
Imperturbável, com as areias por entre os dedos, respondeu baixinho para não acordar o cão
- A duna sou eu.
Eufrázio Filipe
"Caçador de relâmpagos"
12 comentários:
BRILHANTE!!!
Fiquei sem palavras, amigo.
Abraço.
Muito bom!!
Beijo-Boa noite.
Neste "concerto de marés" consigo vislumbrar a duna que os ventos ou a brisa vão fazendo e refazendo... Magnífico texto!
Uma boa semana, meu Amigo.
Um beijo.
Acompanhamos os dois, cão e homem, homem e cão, na lenta caminhada.
As imagens são fortes.
Nesse adormecimento de olhos abertos, nessa imensidão sem palavras, no que me parece uma fusão intrínseca. Tão livres e tão pertença.
Um texto muito belo que me comoveu.
Um beijinho.
Ailime
O Poeta imprime na praia as marcas da existência, com a habitual linha de elegância:
A duna fez-se
A duna desfez-se
No ciclo eterno
De ventos e marés
O cão e o velho
Perante a cegueira dos demais
Abraço.
Ele, o velho, é sábio!
Abraço.
E o velho ficou de pé como quem sabe estar quem é!
Grande abraço
Um saber que se fez vida...
Muito bom, meu caro Eufrázio!
braço :)
Muito bom! Um texto que nos faz refletir. Gosto de ler textos assim e que nos surpreendam.
Beijinhos
Fanny Costa
O tempo deixa as sombras de caminhos passados...
Gosto muito de textos a raiar o absurdo...
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