quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

O CEGO DAS ESQUINAS





-Digo-te a bruma coada na cidade, para êxtase do porvir. Incito-te ao levantamento do chão, onde adormecem lábios e pedras, murmúrios e salivas - só para te ver transgredir as pautas. 
-Digo-te uma luz ao fundo, numa campânula de sons em arco.
-Repara no cego.
-Repara no cão. 
Quando chega a casa- imagino um cubículo de madeira - o cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas, retira-as para o tampo da mesa e conta o abandono a que o votaram em cada moeda coitadinha. 
- O cego das esquinas. O tempo de rastos.
-Quem anda a montar o tempo?
-São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos. 
-São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas.


Eufrázio Filipe

Caçador de Relâmpagos

15 comentários:

  1. "-São os donos dos prédios altos que fazem esquinas para cegos.
    -São os fazedores de cegos, os vendedores de concertinas."

    Verdade.
    Bjs

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  2. desenha-se uma esquina e perde-se o olhar... ao virar.
    um desenho bom a condizer...

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  3. A concertina pode ter
    algo de desacerto,
    uma subversão de sons
    que ponha em risco
    a estrutura do betão
    armado em férrea fortaleza.
    Por isso lhe passam ao largo,
    tenho a certeza,
    atirando-lhe uma preta...

    Abraço, Poeta.

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  4. E os " cegos " são " mais que muitos" como se costuma dizer; cegos que apressados passam , esmurrando-se nas "esquinas dos prédios altos" tentando desviar-se do que fingem não ver; não lhes interessa, não é com eles, problema de quem não tem o sentido chamado " visão"; cegos aqueles que distraidamente deixam " cair "uns centimos num boné que virado para cima apanha a moedita e seguem com a " alma lavada" achando que realmente viram alguém; cegos, cada um de nós tantas vezes...fechando os olhos para não termos de ver o cão, não reparar no cego e pior...para não termos de estender a mão. E agora..está a chegar o Natal e, por milagre, por magia, os nossos olhos se abrem mais um pouco, uma moeda clara sai da nossa mão com mais facilidade e até o cão é acarinhado. Só agora!!! Ha muita luz nas esquinas brilhando em cores garridas, cintilantes e vê-se bem o cego e também o cão; mas...tudo brevemente acaba e logo logo a luz se apaga; a cegueira volta!
    Amigo, que as luzes que agora brilham por toda a parte continuem a iluminar o teu caminho e que a saúde e a alegria não faltem nem a ti nem aos que te rodeiam.
    Um beijinho
    Emilia

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  5. Muito cegos somos nós que ignoramos a miséria que nos rodeia...
    Cumps

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  6. Inquietante poema neste "tempo de rastos"...
    Um BOM Natal e um Ano Novo MELHOR.
    Um beijo, meu Amigo.

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  7. Fico a pairar na abrangência textual e na intensidade das palavras.
    BJ

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  8. Magnífico poema.
    "o cego das esquinas mergulha as mãos no saco das bofetadas". Tantas!
    Beijinhos,
    Ailime

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  9. Um mundo desigual e sobretudo injusto.
    Bem-haja por denunciar!
    beijinho

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  10. Vivemos numa época, em que se constroem diariamente esquinas para cegos...
    Belo texto...:)

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