sábado, 10 de maio de 2014

MARINHAS VALENTES


                                                                                                  "Caçador de relâmpagos" 2010


No chão dos marnotos caminhamos azinhagas, comemos amoras, tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso  até as metáforas se ajoelharem como pequenos deuses inúteis, à nossa mesa. 

Só depois provamos o sal das marinhas. A safra.
O tempo dos homens que chafurdam no moliço. 
A distância que nos separa e atrai, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final. 

Após a "bobadela" a marinha começa a parir uma massa branca, que envaidece os homens quando se olham nas sombras curvas projectadas nas águas. 

O sal aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas e aí fica a escorrer lágrimas . 

Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco. 

Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reúnem-se ao cair da noite, para festejar. 

Enquanto se embebedam , cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar. 
São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas. 

  
 

26 comentários:

  1. ~
    ~ Simplesmente, b e l í s s i m o, poeta!

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  2. O sal das palavras transforma a prosa em poesia na boca do poeta.

    Abraço Irmão

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  3. Da colheita à mesa, incluindo temperos e metáforas, a prosa com sabor de doces memórias...


    Bom domingo.

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  4. Versos de sal
    escorrendo lágrimas
    mais fortes
    que as metáforas

    Não é poema
    É um hino,
    meu irmão

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  5. É tão difícil construir, não é?
    Um abraço!:))

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  6. Excelente prosa/poema/homenagem em louvor dos valentes homens que cortam a pele na ardência das salinas.
    Todo um rude e difícil processo que transforma o sal em pão, nos foi aqui servido com mestria envolto em belas metáforas.

    Um beijo e bom Domingo.

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  7. E o meu avo que era marnoto!

    Marinhas de sal do Mondego.

    Só Penicheiro os soube desenhar como deve ser.

    Bela homenagem poética a uma profissão que já muito poucos conhecem.

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  8. Como o sal fez brotar palavras numa poesia fantástica.

    Bela homenagem .

    Gostei imenso

    Bom domingo

    Bjgrande do Lago

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  9. Homens que bendigo pelo que representam, e perante os quais me curvo.

    Boa semana.
    Abraço.


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  10. Pudessem estes Homens ver a estátua que lhes eriges em palavras!
    De tão habituados que estamos à naturalidade de alguns alimentos, nem nos debruçamos sobre todo um percurso assaz penoso. Belo texto literário, Mar...
    Obg também por (me) dares a conhecer aspetos deste trabalho nas salinas.
    (O sal: metáfora de sofrimento mas à mesa de convívio.)
    Bjo :)

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  11. Muito bem e sentido!
    A pilha branca afinal
    admirável poema ao sal
    tempera o homem de suor.

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  12. .

    .

    . o estio da Sua Poesia é mais.do.que.re.confortante .

    .

    .

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  13. o canto dos homens - entre o cântico-negro e sublimação dos dias.

    belo, meu caro Poeta

    forte abraço

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  14. Trabalho árduo num ritual

    quase alquímico,colhido

    pela poesia que emociona

    com (sal) das lágrimas...

    Bjs.

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  15. Conheci bem alguns dos homens que trabalhavam nas marinhas de sal...
    Tudo tem estado a acabar no nosso
    país...
    Mas, eu neste momento estou na
    Irlanda, e aqui sinto mais tran-
    quilidade que em Portugal.Tenho
    muito menos tempo para estar ao
    computador.
    Bj. e desejo que esteja bem.
    Irene Alves

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  16. Pode o trabalho ser penoso, mas você fez dele poesia. Não costumamos pensar nos caminhos quando saboreamos os alimentos. E os detalhes desse me eram desconhecidos. Abraço.

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  17. Um mundo onde as metáforas não resistem, como bem o diz, caro Mar. É tudo no duro,sentindo-se cada momento no rasgar da pele crestada e no sal das palavras que aqui se lêem.
    No 'sal da língua' ainda se quedam muitas palavras por dizer:

    "Escuta, escuta: tenho ainda
    uma coisa a dizer.
    Não é importante, eu sei, não vai
    salvar o mundo, não mudará
    a vida de ninguém - mas quem
    é hoje capaz de salvar o mundo
    ou apenas mudar o sentido
    da vida de alguém?
    ..." Eugénio de Andrade

    Mas vale a pena tentar, atirando grãos de sal ou 'colocando pauzinhos na engrenagem'.

    Abraço

    Olinda

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  18. gosto de sal marinho

    e de palavras que desfiam imagens

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  19. ...tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso...

    As vezes é preciso primeiro sentir na pele para só depois compreender as metáforas.

    Sempre lindo.

    Beijo.

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