quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

MARINHAS VALENTES


No chão dos marnotos caminhamos azinhagas, comemos amoras, tropeçamos memórias, pedras, pérolas e pó - para compreendermos melhor as palavras de carne e osso até as metáforas se ajoelharem como pequenos deuses inúteis, à nossa mesa.

Só depois provamos o sal das marinhas. A safra.
O tempo dos homens que se chafurdam no moliço.
A distancia que nos atrai e separa, a pele esfarrapada para resistir aos Invernos, mastros de flores salgadas nos olhos distantes a gatinharem no tempo, até ao aborrecimento final.

Após a "botadela" a marinha começa a parir uma massa branca que envaidece os homens quando se olham
nas sombras curvas projectadas na água.

O sal aparece ao ar livre. Reunido em montículos junto aos tabuleiros das marinhas e
aí fica a escorrer as últimas lágrimas. Depois é o marnoto que enche canastras transportadas à cabeça dos moços. Depois é sempre assim. O mesmo peso até estar construído o grande cone branco.

Antes de regressarmos às azinhagas e comermos o resto das amoras, os homens reunem-se ao cair do dia, para festejar.

Enquanto se embebedam, cantam com a ajuda de uma gaita de beiços. Há sempre um que vomita e volta a cantar.

São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes. São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas.

33 comentários:

Licínia Quitério disse...

Texto cheio de poesia e de humanidade que são, bastas vezes, uma e a mesma coisa.

Abraço.

Manuel Veiga disse...

quem disse que o "neorealismo" não é literatura, enganou-se mil vezes...

"invejo" o texto. soberano.

abraços

maré disse...

obrigado

obrigado

OBRIGADO!
.


é o cântico Maior

dos meus olhos

.

e regresso

"de flores salgadas nos olhos"

______

um beijo

de iodo

e sal

Maria P. disse...

Magnífico! Difícil explicar toda intensidade ao ler.

Obrigada.Beijinho*

SILÊNCIO CULPADO disse...

É preciso entender as diferentes vidas de uma vida insertas num quotidiano sofrido de mil maneiras.
Algumas oportunidades são poucas. Conheci há muitos anos o trabalho das salinas e nunca o esqueci ainda que ninguém meu tivesse lá andado. Há coisas que não esquecem.

Abraço

as velas ardem ate ao fim disse...

´Valentia!Ainda haverá gente assim???


um bjo

anamar disse...

Belo texto! E como o senti nas entranhas!!!
Neta de um marnoto, salinas do Mondego, faina do sal, mulheres que correm, cestos á cabeça...elas que são ou eram o outro lado do marnoto... palavra que já poucos conhecem...
Vizinha do maravista.
Apareça!

pin gente disse...

um texto salgadíssimo de verdade.
gostei muito.
beijo

Maria disse...

Soberbo!
O sal da vida
o suor de tantos...

Soberbo!

Beijo

mdsol disse...

Muito bommmm!
:)))

Mateso disse...

Para além da poética, para além da escrita no seu todo,a imagens que perpassam, o ritmo.. tudo.
Lindo.
Bj.

Anónimo disse...

Sal, suor e lágrimas...

Abraço

Anónimo disse...

Magnífico texto!
O sustento de tantos
arrancado do suor do sal...com alegria!

Beijo

Justine disse...

Trabalho duro e acre, descrito com palavras doces,encharcadas em ternura!

Márcia disse...

Quando cheguei ao fim quis mais e mais!
Recordações, somente boas recordações me levou este texto. Voltei a cerca de 5 anos atrás... quando trabalhei em Rio Maior e um levantamento de Costumes e tradições fiz onde inclui as salinas de Rio Maior. Que nos dias de hoje, serem as palavras, as frases a darem nos alegria!Obrigada!

jrd disse...

De Soeiro a Redol o lugar das tuas palavras e da minha admiração.
Um grande abraço

Caçadora de Emoções disse...

Mar Arável,
Vim deixar-lhe algumas emoções e levar outras...

Um abraço carinhoso, na companhia de um sorriso :)

Anónimo disse...

direi, textualmente poético...

Gabriela Rocha Martins disse...

o
en
canto
da
voz
do
povo
en
quanto
nós
des
construímos
as
metáforas


belíssimo



.
um beijo

Duarte disse...

Vim até aqui levado por uma frase tua que me cativou, algures, e vou radiante pois encontrei um texto cheio de matizes de bom gosto literário mas que deixa cicatrizes no leitor. Bonito e duro, ainda que real. Assim é a nossa terra.

Reconhecido

Ana Paula Sena disse...

Um texto muito bom!

As imagens assaltam-nos, impressionantes na sua beleza real, carregadas de sentido poético inesgotável.

Um bom fim-de-semana :)

maria josé quintela disse...

a poesia do sal.





um beijo.

Adriana Riess Karnal disse...

sua poesia deu uma bela prosa.As marinhas salgam o mar para adoçar a vida.

Sonia Schmorantz disse...

Vim retribuir a visita e gostei muito do que aqui li.
Um abraço e bom domingo

Sofá Amarelo disse...

E ainda há quem «pense» que o sal da vida vem das prateleiras dos hipermercados, sinais de um tempo que devia pedir desculpa ao tempo... o Sal da Vida vem das mãos daqueles cuja vida não tem pitada de... Sal!!!

Teresa Durães disse...

são os gestos no trabalho que golem a natureza

isabel mendes ferreira disse...

" São os que transformam água em pão, enquanto à nossa mesa se ajoelham as metáforas."



.



é.

o lugar desta água de sal.

purificador.




beijo.

as velas ardem ate ao fim disse...

Bjo e boa semana!

Anónimo disse...

Uma prosa poética, que retrata os
"construtores de marinhas"
" São os que transformam água em pão"...

Palavras que encheram este coração de saudade de um menino do rio... ( o meu pai)!

Abraço.

L e n a disse...

Lindo texto !
um dia de labor bém descrito,
sentido..

beijinhos

AnaMar (pseudónimo) disse...

Extraordinário! Bela descrição poéticamente realista. O sal entra-me no corpo...
Bj

Graça Pires disse...

O lugar do sal. Onde o trabalho dói e greta mãos e pés. Um belo poema, aqui. Um abraço.

Isabel Victor disse...

"São os rudes corações de oiro, meninos triturados, construtores de marinhas valentes"


Belíssimo, Mar arável !


(Pena é que se deixe morrer este património ... o ouro branco)


um beijo de sal





iv