quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

ERA UMA VEZ O NATAL





Lá em casa,há mais de cem anos foi assim que me contaram.


Era uma vez o Natal.O dia do inverno branco e da generosa lareira

em família.Uma festa de silêncios incontidos e muitas histórias de pasmar.


Lá em casa ninguém rezava,mesmo nos momentos mais difíceis -

muito menos se pedia seja o que for ao menino Jesus.


Era uma festa bonita sem presépio onde nunca faltou um pinheirinho

com luzes de velas a incendiar os nossos olhos.A casa ficava cheia de amanhãs.


Há mais de cem anos,foi assim que me contaram - e talvez por isso -

ontem decidimos que era Natal.


Convoquei o meu cão de barro para o convívio em família.Destinei-lhe

um lugar nobre,junto à lareira.


Foi minha convicção que ali poderia ajudar com o brilho dos seus olhos

a dar mais cor ás cabeleiras do lume e ser amaciado de quando em vez

pelas mãos de veludo da nossa avó.


O Dique,firme no seu posto de vigília,aguardou paciente,leal e reconhecido

pelas doze badaladas do relógio de pêndulo.Participou em silêncio na orgia

das prendas,nas graças familiares,no acender e apagar das velas,no azinho

que ciclicamente alimentava a lareira,na festa coletiva - quando foi colocada

a descoberto a fava do bolo rei - e até achou meigo o beliscão que um dos

putos lhe deu numa das orelhas.


O Dique resistiu como um cavalheiro competente a todas as euforias.

Só não resistiu ao piscar de olhos de uma gata de peluche que lhe miou

em falsete qundo eu precisamente - lhe dei corda.


O Dique - cão de barro habituado a todas as intempéries,resistente a todas as estações do ano,com provas dadas no terreno,pastor de rebanhos inventados

protagonista de sonhos acordados - respeitado por saber ouvir -

cedeu ontem pela primeira vez na vida.Cedeu à ternura da gata e deixou

cair um dos seus olhos de esmeralda chinesa.


Era Natal mas nem por isso a nossa avó deixou de reagir - e de imediato disse com voz grave mas muito terna.


O Dique apaixonou-se pela gata.


Na verdade a avó não mente e a família assim despertada para o evento

só podia fazer o que fez.Cantou um poema de Natal.


O brilhante chinês foi de novo colocado com afecto no olho esquerdo

do Dique.


Aconchegámos os dois num caixote com palhas e ficámos assim

comovidos e a festejar.


Todos menos eu - que também já estava a gostar da gata.





25 comentários:

  1. Muito charmosa esta Gata-Noel!

    abraços e volta quando quiser

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  2. Lindo.....
    Cada vez gosto mais do Dique...o cão de barro...
    ...excelente, mesmo...

    Um sorriso, e beijos

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  3. Texto encantador. Contudo, nada surpreendente: qual é o Dique que se preze que consegue resistir ao miar ternurento de uma gata?!!!
    E a sagacidade da avó!
    Gostei mesmo deste Natal!

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  4. Como seria tudo tão diferente se o Amor renascesse em cada Natal...

    Feliz Natal no teu coração.

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  5. O Natal também é "como" o homem quiser!..
    O Ary não se importa :):):)

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  6. Bonito.
    Talvez com um caixote maior se pudesse atenuar a decepção.

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  7. uma ternura este teu texto poético ...

    lindo ... gostei muito ...


    bjs e bom fim de semana

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  8. "ménage a trois" em noite de Natal? nada mal...

    abraços

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  9. Um Natal de há CEM anos ainda SEM
    Pai Natal, um Natal de há CEM anos revivido, tão aconchegante, em família , SEM o consumismo dos dias de hoje. Para mim hoje também foi Natal. Obrigada por este bocadinho de magia e de ternura que aqui deixaste.

    Um beijinho

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  10. A ironia de um tempo nos ditos amigos do Homem. Simplesmente Divinal, tal como a época.
    Um beijo.

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  11. Uma maravilha este texto, tão cheio de memórias e brilhantemente
    pincelado em cada frase.

    Bom fim de semana.

    Beijo.

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  12. era.

    uma vez.



    algumas vezes.



    que para si vá sendo.



    beijo.



    a sorrir.


    do piano.

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  13. como gostei...

    do pastor de rebanhos inventados!!................:)







    .beijO ~

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  14. Linda esta prosa a beirar o poetico..Parabéns mais uma vez..

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  15. E porque Natal é nascimento... de amor, claro.
    Um texto lindo, cheio de sensibilidade que muito gostei de ler.
    Beijinhos e já agora...
    FELIZ NATAL

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  16. Gostei da ternura deste texto. Antigamente nos meus natais, também a minha casa "ficava cheia de amanhãs".
    Um abraço

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  17. gostei muito da história toda... muito carinho para rimar com azinho!
    agora isso de te declarares aqui ciumento do dique com a gata!
    gatas há muitas... não desfazendo a que te encantou, mas deixa-a para o dique e aproveita a festa.
    feliz natal.
    luísa

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  18. Natal familiar,con recordos e a avó,encantoume esta máxia que transmites.
    beijo e bom natal.

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  19. :)))))))))))))


    ___________
    abra�o!!!!
    ____________a.dezembrado.

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  20. Muito grata por me teres enfeitado esta quadra com uma tão bonita história de Natal...
    Sê feliz com quem te estima, amigo!

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  21. Desta vez,
    sentada na cadeira pintada com flores silvestres,
    ao canto da lareira colocada,consegui:
    Inalar "cheiros" que me reportaram à minha infância...
    Respirar em ambiente sereno próprio duma família de tradições e convicções...
    Apreciar conversas, gestos e afectos entre animais de estimação e demais seres vivos...
    Aquecer a alma e o corpo...
    Enfim, assistir e participar num serão de carícias, compeensão e aconchegos naquela noite magnífica onde só me faltou o Menino Jesus.
    princesa

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  22. nem os cães do mais puro barro resistem às seduções felinas.
    afinal, nessa noite festejou-se um amor altamente improvável que acabou por acontecer...

    :)

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