sábado, 3 de janeiro de 2015

NEM TODOS OS CÃES SÃO DE BARRO



                                                                                                     (reconstruído)



Após longos tempos na claustrofobia da cidade, por entre arestas, frinchas, esquinas e becos, decidiu arrumar tudo e partir. 
Comprou um cão na berma da estrada e um punhado de terra. Construiu uma casa com vistas largas, um canil e um galinheiro. Desenhou no chão um espaço para a horta e começou a desbravar silêncios no silvestre rumor das árvores. Aprendeu a assobiar com o vento. 
Levantava-se cedo para ver o nascer do sol. Dormia à tarde e levantava-se ao desnascer do dia. Trabalhava à noite ao som do jaze. 
De quando em vez visitava o café do senhor Abílio para saber como plantar uma couve, que bolbos floriam em cada estação e acerca do míldio a propósito de umas videiras que medravam dispersas no terreno. Conhecia o nome dos pássaros pelo seu canto. 

Nunca mais quis saber da cidade. 

Um dia, após longos tempos, inconformado com o sequestro no paraíso, o Dique, que era de barro, disse-lhe: 

- Pinta-me de azul, estou com saudades do mar. 
- Também tu cão?



28 comentários:

  1. Até os cães sentem saudades.
    Um bom 2015 para si, caro Eufrázio.

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  2. Sim! No azul da paisagem, os cães nunca poderiam ser de barro...

    Feliz 2015, e que o tempo avance sem retorno...

    Abraço Poeta!

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  3. Lindo! O apelo do mar a falar mais alto!
    Beijinhos.
    Ailime

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  4. A vida é um eterno descontentamento.

    Desejo-lhe um FELIZ ANO NOVO.
    Extensivo à sua família e amigos.
    Beijinho
    Fê.

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  5. É difícil resistir ao apelo do mar!

    Abraço

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  6. Até no Paraíso ninguém consegue viver sequestrado, sobretudo, se estiver longe do mar!

    Se fosse eu, em vez de pintar o Dique de azul, mudava-me para uma cabana à beira d'um Mar Arável, onde tudo se pudesse plantar!

    Abraço e Bom Ano.

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  7. As palavras estão lá todas certinhas,

    A ideia, linda.

    Por isso aqui fica um sentido beijinho.

    Bom Ano Novo, ~~~~~~

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  8. A saudade faz parte do viver. Não há como fugir dela... Abraços, feliz 2015.

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  9. Boa tarde, Compreendo o cão, nasci e sempre vivi junto do mar, já tentei viver longe das melodias das ondas, mas não consigo, tudo é belo e relativo, adoro o mar.
    AG

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  10. Bem acompanhados, o Dique e o seu dono!
    (texto encantador e denso)

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  11. eheheheheh.

    o Dique é um sábio!
    talvez agora te convenças a tirar a carta de condução...

    forte abraço, meu irmão Poeta.

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  12. Neste desbravar silêncios no

    silvestre, a melodia do mar

    borbulhava a saudade azul...

    Belíssimo,caro poeta!

    E tudo pelo melhor

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  13. Se um dia as uvas forem vinho o paraíso completa-se com chilreios de pássaro nas docas do Tejo. O cão há de ficar verde de sede.

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  14. :)

    Pois, ganham vida quando o mar lhes falta. Até o Dique!

    Abraço

    Olinda

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  15. Viver longe do mar? Envelhecemos mais cedo...
    Um beijo, amigo.

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  16. 1 - Como um desenho no papel, foi a impressão que me ficou desta narrativa. E como tal, sempre se pode apagar um "caminho" e desenhar outro.
    2 - É da natureza humana, a (quase) permanente insatisfação.
    3 - Gosto de finais que surpreendam.

    Também eu tenho saudades do mar...
    :) :)

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  17. Gostei imenso deste bocado de inspiração. Tudo tão próximo nestas palavras. Ai o Mar, o Mar...
    Nunca estamos satisfeitos nos lugares!!

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  18. É isso! Há uma melodia que nos aprisiona e não identificamos de onde vem. Daí uma busca permanente ...
    Beijo.

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