domingo, 18 de março de 2012

A DUNA SOU EU?

                                                       
                                                       Publicado no meu CAÇADOR DE RELÂMPAGOS

Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.
O cão ou o velho?
Lentos, trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.
O cão - mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego.
Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna, abrupta sobre as águas, as aves marinhas mergulhavam a pique e esbracejavam só para os salpicar.
Lá iam, serenos, livres, sem palavras - imensos.
No ar, o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de maresias.
Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.
Sentados - respiravam infinitos - o perfume das algas - adormeciam no tempo.
Ao longe, muito ao longe, alguém de um barco bramou
Fuja - a duna vai desmoronar-se.
Imperturbável, respondeu baixinho para não acordar o cão
A duna sou eu?

40 comentários:

  1. É assim a cumplicidade dos afectos, um passeio tão por dentro de nós.
    Infinitamente belo.

    Um abraço, Eufrázio.

    ResponderEliminar
  2. E aí, nos nos conhecemos.
    Tenho teu livro, por perto (esta é uma das suas belas páginas)e de vez em quando releio uma coisa ou outra. Serve-me de estimulo

    ResponderEliminar
  3. Muito lindo este excerto e muito forte e tocante a pergunta final. Foi bom relembrar o "Caçador de Relâmpagos", de que já nos tinhas deixado pelo menos uma passagem, que me tenha apercebido.

    Beijinhos
    Branca

    ResponderEliminar
  4. Mar Arável,
    Belo muito belo. Todos somos uma duna em potência e as pequenas areias por vezes levam ao desmoronamento. Porém, o velho amigo está lá e ele trará o sal necessário e afagará a sede.
    Bom domingo!

    ResponderEliminar
  5. Apreciei a viagem do poema...

    A minha estima,

    ResponderEliminar
  6. Uma alegoria linda que nos transmite uma força imensa... e cada vez mais necessária.
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  7. ... serenos, livres e imensos!
    e o cão lambia-lhe as mãos!
    a duna é um regaço.

    poema lindo, Mar.

    beijo.

    ResponderEliminar
  8. E o cãopanheiro pode ficar tranquilo.

    Muito bom.

    Abraço

    ResponderEliminar
  9. De uma força interior incrível este excerto.
    Belo!
    Abraço

    ResponderEliminar
  10. Belissimo pedaço de narrativa. Respiravam infinitos....quando assim se respira está tudo dito. É perfeito e absoluto, os meus parabens.

    ResponderEliminar
  11. Intenso!
    Pelo menos eram livres e serenos!
    Também eu sou duna impotente sentido o desmoronamento aproximando-se.

    Beijinho e uma flor

    ResponderEliminar
  12. Fez-me recordar um conto de Borges em que ele conversa com um imaginário alter ego, num banco de jardim.

    ResponderEliminar
  13. Muito bom este texto. Gostei.
    Ramos~Horta não vai ser reeleito.
    As coisas da política...
    Bj.
    Irene

    ResponderEliminar
  14. "baixinho, para não acordar o cão" - de grande delicadeza e sensibilidade. Gostei, como não?

    ResponderEliminar
  15. Um dia a duna desmorona-se. É a (des)construção natural do ser.
    Só a sabedoria de um velho pode ser tão serena,tão "imperturbável".
    Belíssimo texto!

    Um beijo

    ResponderEliminar
  16. Fez-me lembrar o narrador de "Em Nome da Terra", de Vergílio Ferreira, que leio por estes dias. O desmoronar poderá parecer (é) inevitável e a serenidade nesse momento é sabedoria inigualável.
    Gostei muito. Boa semana.

    ResponderEliminar
  17. Às vezes a serenidade mantém-se até ao fim.

    Um abraço.

    ResponderEliminar
  18. Daqui sinto a maresia, o ar salgado, a ondulaçao das águas...e as memórias marcando compasso nessa sinfonia que me traz o som do vento. Ah, as algas verdes,escorregadias, sempre me causaram estranheza, o seu perfume um arrepio lembrando-me o tempo em as desafiava e procurava fugir-lhes . E enquanto a duna não se desmorona aguentemo-nos e sondemos o horizonte.

    Abraço, mar arável, obrigada por este belo poema.

    Olinda

    ResponderEliminar
  19. Se o tempo já está adormecido...
    A única certeza é a beleza do momento....
    A vida está cheia de dunas que se desmoronam; entrar em pânico não ajuda...
    Como o velho bem sabe...
    Lindo...
    Obrigada pela visita
    Beijos e abraços
    Marta

    ResponderEliminar
  20. Parabéns para nos que tanto carinho temos pelas nossas amizades
    quantos vezes mesmo cansados procuramos de alguma forma acarinhar
    nossos amigos(AS).
    Na verdade ao longo do tempo fez nossa amizade crescer
    hoje somos como irmãos .
    Uma verdadeira nação de blogueiros unidos no amor.
    Um beijo carinhoso pelo nosso dia.
    Que muitos anos possamos comerar cada vez mais unido essa Dia.
    Carinhos meus.Evanir..

    ResponderEliminar
  21. Está na hora de ler o Caçador de Relâmpagos.
    Adoçaste-me a vontade.

    Beijo

    ResponderEliminar
  22. seria
    ou o cão

    digo, baixinho, para não acordar os olhos

    um abraço

    ResponderEliminar
  23. Haja remoinhos de vida
    Partículas que não nos dêem descanso, no ar...

    ResponderEliminar
  24. ________________________________

    ...feliz é quem se reconhece um com o todo! Que delicia o seu texto...A cada parágrafo, imaginei o momento.



    Beijos de luz e o meu carinho!!!

    ______________________________

    ResponderEliminar
  25. !!! que delícia este pedacinho de texto....que maravilha...
    Olha...deu-me uma vontade de chorar...Desculpa; o texto é muito bom. não sei que me deu...coisas de mulher!!!
    BJ
    BS

    ResponderEliminar
  26. Foi-se com o vento, em pequenos grãos de areia...

    ResponderEliminar
  27. A avaliar pelo excerto "CAÇADOR DE RELÂMPAGOS" deve ser magnifico...


    Abraço
    cvb

    ResponderEliminar
  28. que importa uma duna na imensa serenidade da sabedoria?...

    belíssimo.

    abraço, meu caro Poeta.

    ResponderEliminar
  29. os afectos
    tão importantes
    e que andam tão arredios

    muito bom!

    um beij

    ResponderEliminar
  30. Passei para lhe dar um beijo de agradecimento pela sua poesia, neste dia que a lembra.
    Beijinho. :)

    ResponderEliminar
  31. Excelente texto. Gostei imenso.
    Um abraço e tudo de bom para si

    ResponderEliminar
  32. Lindissimo,com uma mensagem profunda e ao mesmo tempo cheio de serenidade...adorei
    Abraço

    ResponderEliminar
  33. Uma duna, que se encrespa em cada lufada de vento, oxigenando a memória do velho, ali, sentado ao lado do cão...

    ResponderEliminar